Reforma da reforma e o futuro do Missal de Pio V
O presente artigo trata-se da tradução de uma conferência feita pelo então teólogo Cardeal Joseph Ratzinger na Abadia de Notre-Dame de Fontgombault, no ano de 2001.
A "reforma da reforma"
O professor Spaemann
tem razão: a "reforma da reforma" se refere naturalmente ao Missal
reformado, não ao Missal anterior. O que se pode fazer, dado que finalmente
nosso objetivo comum - me parece - é a reconciliação litúrgica e não o
uniformismo? Não estou a favor do uniformismo, mas naturalmente temos que estar
contra o caos, contra a fragmentação da liturgia, e, neste sentido, também a
favor da unidade na observância do Missal de Paulo VI. Parece-me que este é um
problema prioritário: como voltar a um rito comum reformado - se se quer -, mas
não fragmentado ou deixado à arbitrariedade das comunidades locais, ou de
alguns grupos de comissões e de peritos? A "reforma da reforma" é,
portanto, uma questão que se refere ao Missal de Paulo VI, sempre com esta
finalidade da reconciliação no interior da Igreja, porque, no momento, existe uma
oposição dolorosa e estamos ainda longes da reconciliação, se bem que os dias
que vivemos juntos aqui são um passo importante até esta reconciliação.
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Fonte: O catequista |
O terceiro problema é a
celebração versus populum. Como escrevi nos meus livros, creio que a celebração
para o oriente, até Cristo que vem, é uma tradição apostólica. No entanto sou
contra a revolução permanente nas igrejas, se reestruturaram agora tantas
igrejas que voltar a começar de novo neste momento não me parece, em absoluto,
oportuno. Mas se sempre houvesse sobre os altares uma cruz, uma cruz bem à
vista, como ponto de referência para todos, para o sacerdote e fieis, teríamos
nosso oriente, já que finalmente o Crucificado é o oriente cristão, e, sem
força, se poderia - me parece - fazer isso: dar como ponto de referência o
Crucificado, a cruz, e assim uma nova orientação a liturgia. Creio que esta não
é uma questão puramente externa: se a liturgia se realiza em um círculo
fechado, se existe somente o diálogo sacerdote-povo, estamos diante de uma
falsa clericalização e a faltar de um caminho comum até o Senhor, até o qual
todos nos voltamos. Portanto, ter o Senhor como ponto de referência, para
todos, sacerdote e fieis, me parece algo importante e totalmente viável e realizável.
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O futuro do Missal de São Pio V
Conheço muito bem a
sensibilidade dos fiéis que amam esta liturgia, é também um pouco minha própria
sensibilidade. E neste sentido, compreendo o que nos disse o professor Spaemann
ao afirmar: se não se conhece a finalidade de uma reforma, por pequena que
seja, se se deve pensar que somente é um passo intermediário até uma perfeita
revolução, isso sensibiliza aos fiéis. E neste sentido, se deve ser muito
prudente com as eventuais mudanças. No entanto, disse também - o destaco - que
seria fatal se a antiga liturgia se encontrasse como em um congelador, como em
um parque nacional, um parque protegido para um determinado tipo de pessoas, às
quais se deixariam estas relíquias do passado. Isto seria - como nos disse o
professor De Mattei - uma espécie de inculturação: "Também existem
conservadores, deixais a este grupo sua inculturação!". Com semelhante
redução ao passado, não se conservaria este tesouro para a Igreja de hoje e de
amanhã. Parece-me que, em todo caso, se deve evitar que esta liturgia fique
petrificada em um congelador para um certo tipo de pessoas.

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Para ser mais concreto,
não faria nada neste âmbito por enquanto; está claro. Mas, no futuro, deveria
se pensar – parece-me - em enriquecer o Missal de 1962, introduzindo santos
novos; existem agora figuras importantes de santos: penso, por exemplo, em
Maximiliano Kolbe, Edith Stein, os mártires da Espanha, os mártires da Ucrânia
e tantos outros, mas também nessa Bakita do Sudão, que sai da escravidão e se
faz livre na fé ao Senhor; há muitas figuras realmente belas que nos são
necessárias. Portanto, abrir o calendário do antigo Missal aos novos santos,
fazendo uma seleção bem meditada, me parece uma coisa oportuna que não
destruiria nada do tecido da liturgia. Poderia se pensar também nos prefácios,
que procedem igualmente do tesouro dos Padres da Igreja, por exemplo para o
Advento e outros. Por que não incluir estes prefácios no antigo Missal?
Assim, se deveria
entender, com uma grande sensibilidade, com uma grande compreensão até as
preocupações e medos, em contato com os responsáveis, que este Missal é também
um Missal da Igreja, e sob a autoridade da Igreja, que não é uma coisa
protegida do passado, mas uma realidade viva na Igreja, muito respeitada em sua
identidade e em sua grandeza histórica, mas também considerada como algo vivo,
não como algo morto, uma relíquia do passado. Toda a liturgia da Igreja é
sempre algo vivo, uma realidade que se encontra acima de nós, não submetida a
nossas vontades e a nossas intenções arbitrárias. Estes são os comentários que
queria fazer.
Se você leu as partes anteriores da conferência:
Parte 01: Revelação de Bento XVI sobre o Movimento Litúrgico
Parte 02: O problema dos ritos romanos no Rito romano
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Parte 01: Revelação de Bento XVI sobre o Movimento Litúrgico
Parte 02: O problema dos ritos romanos no Rito romano
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Para citar: RATZINGER, Joseph Aloisius. Obras completas: Teologia da liturgia. Madri: Biblioteca de Autores Cristianos, 2012. 561 p. ISBN: 978-84-220-1609-0. Publicado no blog Regozija-te com a verdade, aos 16 de maio de 2016. Tradução de Gabriel Luan Paixão Mota.
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