terça-feira, 25 de abril de 2017

A reforma litúrgica do Ritual de Exorcismos - Rev. Pe. Gabriele Amorth



A reforma litúrgica do Ritual de Exorcismos

Por Rev. Pe. Gabriele Amorth, exorcista


Quando tive que tratar com uma comissão de cardeais, encarregada de reescrever o ritual dos exorcistas, obtive uma demonstração da incredulidade do Vaticano quanto a existência de Satanás.

O Concílio Vaticano II, ao fim do seu trabalho, havia ordenado que os textos litúrgicos fossem atualizados. Infelizmente nesta obra de atualização frequentemente prevaleceu uma busca por novidade, que ao invés de renovar pensou-se em acabar com os textos antigos e fazer tudo de novo. Uma ação muitas vezes perversa porque se partiu do pressuposto de que o antigo estava sempre errado. Que loucura!

Gabriele Amorth, sacerdote exorcista
O último texto que caiu nas mãos dos "inovadores" foi o ritual para os exorcistas, isto é, o texto que um exorcista segue quando deve realizar um exorcismo. Eu, juntamente com outros exorcistas, havia me preparado, pensando que logo seria consultado por esta comissão. No entanto, nada aconteceu. Pelo contrário, em 4 de junho de 1990 apareceu para nossa surpresa o novo ritual «ad interim», sem que nenhum de nós tivéssemos sido consultados, nem de viva voz nem por telefone.

Algo mal feito. Um texto provisório pode ser sempre alterado, pensamos. Ainda mais no início, quando este novo ritual foi distribuído para que os exorcistas o experimentasse, observações estas que o Vaticano devia ter levado em consideração.

Basicamente, segundo os acordos, os exorcistas deviam testar “em campo” este novo ritual, depois deviam transmitir as próprias observações ao bispo de suas respectivas dioceses, este, por sua vez, as enviariam para a Conferência Episcopal e esta, por fim, à Congregação para o Culto Divino, a congregação da Santa Sé responsável pela renovação do texto. Na verdade, esse trajeto tão tortuoso demonstrou ser uma armadilha. O Cardeal Eduardo Martínez Somalo, prefeito da Congregação para o Culto Divino (1988-1992), disse: "Dentro de 2 anos as Conferências Episcopais de todo o mundo estão encarregadas de enviar-nos um relatório sobre o uso do novo ritual, assim como eventuais conselhos e sugestões apresentadas pelos sacerdotes que dele tenham feito uso". Na verdade, nada disso aconteceu. Principalmente por causa das muitas voltas do trajeto - dos exorcistas aos bispos, destes à Conferência Episcopal e, em seguida, desta última à Congregação para o Culto Divino -, até o Vaticano não chegou nenhuma observação. Nenhuma.
Nós, os exorcistas, tínhamos muito a dizer. A leitura e a experimentação do novo ritual foram, de fato, absolutamente desastrosas. Era bastante evidente que o novo ritual havia sido preparado por pessoas que nunca haviam feito exorcismos na vida e que nunca haviam assistido a algum.

Dessa forma, nós, exorcistas, decidimos nos reunir em assembleia para decidir o que fazer. Encontramo-nos em dezoito, provenientes de diversos países do mundo, entre os exorcistas mais experientes. Discutimos esse texto provisório e decidimos escrever uma longa lista do que chamamos de "As observações dos dezoito". Entregamos nossas observações à Conferência Episcopal Italiana, à Congregação para o Culto Divino e também apresentamos uma cópia diretamente ao Papa João Paulo II, quem diante de nossos olhos a recebeu e nos agradeceu.

Meses se passaram e um dia apareceu a notícia de que o texto definitivo do novo ritual havia saído, publicado em latim, com data de 22 de novembro de 1998. A tradução italiana, que estava a cargo da Conferência Episcopal Italiana, veio à luz no dia 25 de novembro de 2001.

Foi imensa a nossa desilusão. O texto definitivo, para nossa surpresa, baseava-se essencialmente na edição «ad interim», mas com o acréscimo de erros macroscópicos. Por exemplo, o texto proibia fazer uso dos exorcismos em casos de malefício[1], que são mais de 90% dos casos de problemas diabólicos. O texto também proibia realizar exorcismos se não se possuía certeza da presença do demônio. Algo absurdo. Somente fazendo exorcismos é que se tem a certeza se se trata de possessão ou não! Além disso, não se deram conta de que os próprios textos contradiziam ao Catecismo da Igreja Católica, onde se afirma que os exorcismos são feitos em caso de possessão e de transtornos causados pelo demônio. Nunca há possessão em tais transtornos, o demônio nunca está presente do corpo das pessoas, assim como não está quando se exorcizam os animais, as casas ou os objetos.

Então para que serviram "as observações dos dezoitos"?

Somente serviram para desprezo. É lamentável dize-lo, mas o tenho que fazer: somente serviram para serem desprezadas.

O Secretário para a Congregação para o Culto Divino afirmou, diante da comissão de cardeais encarregada de redigir este novo texto, que os únicos interlocutores deviam ser os bispos e não os sacerdotes exorcistas. E acrescentou: "Deve-se tomar ciência da existência de um grupo de exorcistas e também demonólogos, que posteriormente se constituíram na Associação Internacional, que orquestravam uma campanha contra o rito". Éramos nós. Éramos nós, os dezoito.

Foi uma acusação imoral.

Queríamos somente fazer observações depois de haver usado o ritual «ad interim» e constatado em muitas partes sua total ineficácia. Havíamos acreditado na Lumen Gentium, a Constituição Dogmática sobre a Igreja proveniente dos trabalhos do Concílio Vaticano II, que diz: "Segundo o grau de ciência, competência e autoridade que possuam, têm o direito, e por vezes mesmo o dever, de expor o seu parecer sobre os assuntos que dizem respeito ao bem da Igreja" (n. 37).
Acreditamos na Lumen Gentium, mas não fizeram o mesmo no Vaticano. Não me parece que tenha sido recebida por todos no Vaticano.

Ritual Romano de 1952, ao qual se refere o Pe. Amorth.
Por sorte, in extremis, o Cardeal Jorge Arturo Medina Estévez, que em 1996 se tornou prefeito da Congregação para o Culto Divino, conseguiu no último momento inserir uma notificação especial, na qual se concedia aos exorcistas a faculdade de continuar usando o antigo ritual, depois de uma autorização do bispo. Foi a nossa salvação. Todos podemos seguir exorcizando com o antigo ritual, que na minha opinião é o único eficaz contra o demônio[2].

Entretanto, devo dizer uma coisa a mais. É sobre Joseph Ratzinger. O atual Pontífice era, na época do Ritual «ad interim», um dos membros da comissão cardinalícia encarregada de escrever o texto. Ele foi o único que investigou e escutou o nosso parecer, o dos exorcistas, ainda que depois, infelizmente, tal parecer não tenha sido compartilhado por seus outros colegas.

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NOTAS

[1] – (N.tr.) No livro "Um Exorcista Conta-nos", o autor explica que malefício, termo genérico, é o fenômeno pelo qual uma pessoa inocente pode ser incomodada pelo demônio. A magia negra, as maldições, o mau olhado, os bruxedos (trabalhos ou despachos) são formas de malefícios.

[2] – (N.tr.) Essa opinião do reverendo padre possui bastante peso, por ser ele ex-exorcista oficial do Vaticano e um dos mais experientes exorcistas da Igreja. Entretanto, nesse campo, os exorcistas estão ainda divididos. Há aqueles exorcistas, como o Pe. Antonio Doñoro, que se aproximam do pensamento do Padre Amorth ao afirmar que o novo ritual é eficaz apenas para as possessões mais leves, enquanto que não é eficaz para as mais graves, ou aqueles outros exorcistas, como o Pe. Salvador Hernández Ramón, que afirmam simplesmente que o antigo ritual é mais eficaz que o novo. No entanto, existem outros famosos exorcistas, como parece ser a opinião do Pe. Jose Antonio Fortea, que creem na igual eficácia de ambos os rituais.

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Para citar: AMORTH, Padre Gabriele. O Último exorcistaTradução de Gabriel Luan Paixão Mota. Publicado no blog Regozija-te com a verdade, aos 25 de abril de 2017

segunda-feira, 24 de abril de 2017

O crucifixo no centro do altar na Missa "de frente para o povo" - Departamento de Celebrações do Sumo Pontífice



DEPARTAMENTO DE CELEBRAÇÕES
DO SUMO PONTÍFICE

O crucifixo no centro do altar na Missa "de frente para o povo"


Desde os tempos remotos, a Igreja estabeleceu sinais sensíveis que ajudaram os fiéis a elevar a alma a Deus. O Concílio de Trento, referindo-se em particular à Santa Missa, incentivou esta prática recordando que: "A natureza do homem é tal, que muito dificilmente se eleva à meditação das coisas divinas, sem a ajuda exterior que a favoreça. Por isso a santa Igreja, Mãe piedosa, estabeleceu determinados ritos [...] com o fim de encarecer a majestade de tão augusto Sacrifício [a Eucaristia] e a incitar as mentes dos fiéis a se elevarem por meio destes sinais exteriores da religião e devoção, à contemplação das realidades altíssimas que estão ocultas neste sacrifício"[1].

Um dos sinais mais antigos consiste em voltar-se ao oriente para rezar. O oriente é símbolo de Cristo, o Sol de justiça. "Erick Peterson demonstrou a estreita conexão entre a oração de frente para o oriente e a cruz, conexão evidente como muito tarde no período constantiniano. [...] Entre os cristãos se difundiu a prática de indicar a direção da oração com uma cruz sobre a parede oriental na abside das basílicas, mas também nas habitações privadas, por exemplo, de monges e eremitas"[2].

Missa no Oratório de São José (St. Joseph Oratory), em Detroit - USA (imagem ausente no original)

"Acaso se nos pergunta para onde olhavam o sacerdote e os fiéis durante a oração, a resposta deve ser: ao alto, para a abside! A comunidade orante durante a oração não olhava, de fato, em primeiro lugar, o altar ou a cátedra, mas que elevava ao alto os olhos e as mãos. Assim a abside chegou a ser o elemento mais importante da decoração da igreja, no momento mais íntimo e santo do ato litúrgico, a oração"[3]. Quando, portanto, se encontra representado na abside Cristo entre os apóstolos e mártires não se trata somente de uma representação, mas um epifania na presença da comunidade orante. A comunidade então "elevava as mãos e os olhos ao céu", olhava concretamente a Cristo no mosaico absidal e falava com ele, a ele rezava. Evidentemente, Cristo estava assim diretamente presente na imagem. Dado que a abside era o ponto de convergência do olhar orante, a arte proporcionava o que o orante necessitava: o Céu, a partir do Filho de Deus que mostrava à comunidade como que a partir de uma tribuna"[4].
Portanto, "para os cristãos da antiguidade tardia, rezar e orar formava um todo. O orante queria não somente falar, mas esperava também ver. Se na abside mostrava-se de modo maravilhoso uma cruz celeste ou a Cristo em sua glória celeste, então por isso mesmo o orante que olhava para o alto podia ver exatamente isto: que o céu se abria para ele e que Cristo se lhe mostrava [5].

Dos apontamentos históricos anteriores, se deduz que a liturgia não se compreende verdadeiramente se se a imagina principalmente como um diálogo entre o sacerdote e a assembleia. Não podemos entrar aqui nos detalhes, limitamo-nos a dizer que a celebração da Santa Missa "de frente para o povo" é um conceito que começou a formar parte da mentalidade cristã somente na época moderna, como demonstraram estudos sérios e o reafirmou Bento XVI: "A ideia de que o sacerdote e o povo na oração deveriam olharem-se reciprocamente nasceu somente na época moderna e é completamente estranha à cristandade antiga. De fato, sacerdote e povo não dirigem a sua oração um ao outro, mas juntos dirigem ao único Senhor"[6].

Bento XVI celebrando Missa (imagem ausente no original)
Apesar do Concílio Vaticano II nunca ter tocado nesse assunto, em 1964 a Instrução Inter Oecumenici, emanada do Consilium, grupo de estudos encarregado de levar a cabo a reforma litúrgica prevista pelo Concílio, prescreveu no n. 91 o seguinte: "É conveniente que o altar maior esteja separado da parede para poder circular mais facilmente ao seu redor e celebrar versus populum". Desde então, a posição do sacerdote "de frente para o povo", ainda que não seja obrigatória, se tornou a maneira mais comum de celebrar a Missa. Estando assim as coisas, Bento XVI propôs, também nesses casos, não perder o significado tradicional da oração "orientada" e sugeriu superar as dificuldades colocando no centro do altar o sinal de Cristo crucificado [7]. Aderindo a esta proposta, recorda-se que as dimensões do sinal devem ser tais que se façam bem visível, sob pena de pouca eficácia [8].
A visibilidade da cruz do altar está pressuposta pela Instrução Geral do Missa Romano: "Haja também sobre o altar ou perto dele uma cruz com a imagem do Cristo crucificado que seja bem visível para o povo reunido" (n. 308). Não é precisado, no entanto, se a cruz deve estar necessariamente no centro. Aqui intervém, portanto, motivações de ordem teológico e pastoral, que por causa do curto espaço a nossa disposição não podemos expor. Limitamo-nos a concluir citando novamente Bento XVI: "Na oração não é nem necessário nem sequer conveniente olhar-se mutuamente, muito menos ao receber a comunhão. (...) Em uma aplicação exagerada e mal-entendida da "celebração de frente para o povo", removeram as cruzes do centro dos altares, para não atrapalhar a vista entre o celebrante e o povo. Mas a cruz sobre o altar não é obstáculo à visão, mas sim um ponto de referência comum. É uma 'iconostasis' que permanece aberta, que não impede o pôr-se em comunhão, mas que essa imagem que concentra e unifica nossos olhares se faz de mediadora. Ousaria inclusive a propor a tese de que a cruz sobre o altar não é obstáculo, mas condição prévia para a celebração versus populum. Com isso voltaria a estar novamente clara também a distinção entre a liturgia da Palavra e a Oração Eucarística. Enquanto a primeira se trata de anúncio e, portanto, de uma relação recíproca imediata, na segunda se trata de adoração comunitária na qual todos nós seguimos estando sob o convite: Conversi ad Dominum - voltemo-nos ao Senhor, convertamo-nos ao Senhor" [9].

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[1] - Concílio de Trento, XXII, V, DS, 1746.
[2] - U.M. Lang, Rivolti ao Signori, Siena 2006, p. 32.
[3] - S. Heid, Gebetshaltung und Ostung in frühchristlicher Zeit, Rivista di Archeologia Cristiana 82, 2006, p. 369
[4] - ibid, p. 370.
[5] - ibid, p. 374.
[6] - Teología de la Liturgia, Ciudad del Vaticano 2010, pp. 78
[7] - ibid, p. 88.
[8] - M. Gagliardi, Introduzione al Mistero eucaristico, Roma 2007, p. 371
[9] - Teología de la Liturgia, Ciudad del Vaticano 2010, pp. 536.


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Para citar: Departamento de Celebrações do Sumo Pontífice. O Crucifixo no centro do altar na Missa "de frente para o povo". Tradução de Gabriel Luan P. Mota. Publicado no blog Regozija-te com a Verdade, aos 24 de abril de 2017.


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