INTRA ECCLESIAM NULLA
SALUS
Dentro da Igreja não há salvação
Por Padre Leandro Bonnin
Recordo que um professor do Seminário em que me formei
costumava usar o humor - um humor muito ácido, certamente - para fixar alguns
ensinamentos.
Referindo-se ao diálogo ecumênico e inter-religioso, e de
maneira mais geral a todas as formas de diálogo da Igreja Católica com outras
visões de mundo, o professor nos alertava para um risco latente: o extremo do
"captatio benevolentiae",
de querer "ser agradável" ao outro, até quase chegar ao ponto do ridículo
e inaceitável.
Em certas propostas - afirmava, no início do terceiro milénio
- se enfatiza tanto a bondade das doutrinas e práticas "das outras"
igrejas ", "das outras" religiões e "de outras" visões
de mundo, e se acentuavam tanto os defeitos da Igreja Católica e de seus
membros que o clássico adágio dos Padres "extra Ecclesiam nulla Salus" vinha a ser transformado em
"intra ecclesiam nulla salus",
isto é, "dentro da Igreja não há salvação". "Esse poderia ser o
título de alguns tratados de eclesiologia atuais", completava.
O ensinamento do Magistério - contido no Catecismo -
recorda-nos que a verdadeira grandeza e santidade da Igreja reside (além de em
sua Cabeça) na plenitude dos meios de salvação (palavra, sacramento,
ministério) da qual é portadora. Além disso, essa plenitude dos meios de
salvação também se manifestou eficiente e eficaz na hora de "gerar"
homens de grande valor, de amor ardente, coragem heroica, de lucidez incomum,
de dedicação desconhecida em outras religiões e culturas.
Leia também: Lutero e a Igreja corrompida no século XVI?
E como "a humildade é andar na verdade", permito-me
dizer que uma igreja que já não se reconhece como SANTA (reitero, pela
plenitude dos meios de salvação e santidade de alguns dos seus membros, a
partir de sua Cabeça) não é uma Igreja humilde, mas mentirosa. Charlatona.
Enganadora. É uma Igreja que duvida e abdica de sua identidade, de sua
sacramentalidade salvífica e, por isso, priva o mundo dos tesouros que detém.
Sim, cai bem, soa simpático, dizer "que bom são os
outro, que ruim somos nós". E sim, talvez, em outros tempos, pecamos porque
insistimos demais dizer "que bom somos nós, que ruim são os outros".
Mas creio que é uma fonte de grande perda de prestígio e
fruto apostólico insistir tenazmente em nossos lados obscuros, escondendo a luz
brilhante que encontramos em sua [Igreja Católica] estrutura e história,
enquanto engrandecemos os pontos luminosos dos outros, sem fazer qualquer
referência aos seus erros.
Não é honesto e, portanto, não é nada humilde admitir todas
as "lendas negras" da Igreja como se fossem realidade histórica
objetiva. Porque deste modo, além de distanciarmo-nos da verdade, estaríamos
canonizando a difamação e o juízo temerário, do qual estas lendas estão
repletas. Esse erro procedimental - assumido, por vezes, de forma voluntária e
estratégica, como uma "tática de humildade" - gera em muitos
católicos um duplo sentimento de culpa e inferioridade.
Pode lhe interessar:
Ordenação simultânea de 820 sacerdotes
As calúnias descarregadas nos dois primeiros séculos contra
os cristãos (recolhidas e refutadas por padres apologistas) parecem atualmente
serem lançadas por alguns destes. No final, os católicos acabam sendo
"inimigos da humanidade", os responsáveis por todos os males da
terra.
Esta culpa nauseante redunda, necessariamente, em um
sentimento de inferioridade. Que os conduzem a observar, extasiados,
"quantas riquezas fora da Igreja", ignorando que elas mesmas, quase
em sua totalidade, estão presentes no próprio Corpo da Igreja, em seu passado
ou presente.
Concluo reconhecendo que o caminho do diálogo não é fácil,
nunca foi. Mas eu acho que não é um caminho verdadeiro a renúncia da verdade e
da própria identidade, sob a justificativa de concórdia. É necessário refletir
serenamente. Voltemos a reler os textos do Magistério, nos quais explica-nos
como e em que sentido a expressão "Extra
Ecclesiam Nulla Salus" permanece totalmente válida [1].
A Igreja é e continuará sendo o Corpo e a Esposa de Cristo. A
Igreja Católica, em sua visibilidade concreta, em seus sinais sacramentais,
continua sendo sinal e instrumento da união com Deus e dos homens entre si.
Afirmar "na Igreja Católica estão TODOS os meios de
salvação", não somente não é falta de humildade, mas é a sua expressão.
Porque cada um desses meios lhes foram dados. Eles não são méritos de seus membros,
mas o presente da sua Cabeça e Fundador: Cristo. Negar-los é pecar de ingratos,
e de cegos.
E os católicos - pastores e leigos - devem parar de pedir
perdão por serem católicos. Devemos agradecer a Deus e ter orgulho de pertencer
à verdadeira Igreja de Cristo. Como o ritual do batismo diz, pouco antes do
rito essencial, "esta é a fé da Igreja, que orgulhosamente
professamos". Assim, podemos dizer, sem medo de vaidade ou presunção:
"Esta é a Esposa do Cordeiro, a qual temos orgulho de pertencer".
Fora da qual não há salvação.
________
[1] - "O Sagrado Concílio [...] ensina que esta Igreja, peregrina sobre
a terra, é necessária para a salvação. Com efeito, só Cristo é mediador e
caminho de salvação e Ele torna-Se-nos presente no Seu corpo, que é a Igreja;
ao inculcar expressamente a necessidade da fé e do Baptismo, confirmou
simultaneamente a necessidade da Igreja, para a qual os homens entram pela
porta do Baptismo. Pelo que, não se poderiam salvar aqueles que, não ignorando
ter sido a Igreja católica fundada por Deus, por meio de Jesus Cristo, como
necessária, contudo, ou não querem entrar nela ou nela não querem
perseverar." (Constituição Dogmática Lumen Gentium, n. 14, citado pelo
Catecismo da Igreja Católica, n. 846). Confira também a Declaração Dominus
Iesus, do ano 2000.
________
Fonte: Infocatolica (tradução nossa)