segunda-feira, 26 de julho de 2021

Bispo: a Liturgia não é brinquedo dos papas ou o Edito maligno do Papa Francisco


 

Dom Rob Mutsaerts, bispo auxiliar de Hertongenbosch, Holanda, publicou esta forte declaração em seu blog. O papa sempre pediu parresia e agora está recebendo uma boa dose dela por todo o mundo.

 


Um Edito maligno do Papa Francisco

Dom Rob Mutsaerts

Bispo auxiliar de Hertogenbosch - Holanda

 
O Papa Francisco promove a sinodalidade: todos devem poder falar, todos devem ser escutados. Este não é o caso do motu proprio Traditionis Custodes, recentemente publicado, um edito imperial que deve pôr fim imediato à Missa tradicional. Ao fazê-lo, Francisco destrói o Summorum Pontificum, o moto proprio do Papa Bento XVI, que deu amplo alcance à Missa tradicional.

 

O fato de que Francisco use aqui a autoridade sem nenhuma consulta indica que está perdendo a autoridade. Isso já ficou evidente quando a Conferência Episcopal Alemã não aceitou a indicação do Papa sobre o processo sinodal. O mesmo ocorreu nos Estados Unidos quando o Papa Francisco pediu para a Conferência Episcopal que não preparasse documento sobre a comunhão digna. O Papa deve ter pensado que seria melhor (neste caso) não dar mais conselhos, mas um mandato de execução, agora que se trata da Missa tradicional.

 

A linguagem utilizada se parece muito com uma declaração de guerra. Todo Papa, desde Paulo VI, sempre deixou espaços para a Missa tradicional. Se alterações foram feitas, foram pequenas revisões. Por exemplo, os indultos de 1984 e 1989. João Paulo II acreditava firmemente que os bispos deveriam ser generosos ao permitir a Missa tridentina. Bento XVI abriu a porta de vez com o Summorum Pontificum: "o que então era sagrado, continua sendo sagrado". Francisco bateu a porta através da Traditionis Custodes. Parece como uma traição e é um tapa na cara de seus predecessores.

 

A propósito, a Igreja nunca aboliu liturgias. Nem mesmo Trento o fez. Francisco rompe totalmente com essa tradição. O motu proprio contém, de forma breve e poderosamente, algumas proposições e mandatos. As coisas se explicam com mais detalhes por meio de uma declaração mais longa anexa. Esta declaração contém bastantes erros factuais[1]. Um deles é a afirmação de que o que Paulo VI fez depois do Vaticano II é o mesmo que havia feito Pio V depois de Trento. Isto está completamente longe da verdade. Recorde-se que antes de Trento haviam vários textos [de missais] transcritos em circulação e liturgias locais haviam surgido aqui e acolá. A situação era um desastre.

 Leia também: Qual a necessidade de uma reforma da reforma litúrgica

Trento queria restaurar as liturgias, eliminar as imprecisões e definir com precisão a ortodoxia. Trento não se preocupou em reescrever a liturgia, nem em fazer novas adições, novas orações eucarísticas, um novo lecionário ou um novo calendário [apenas fez a organização sistemática de tudo que já existia]. Se tratava de garantir uma continuidade orgânica ininterrupta. O missal de 1570 se remonta ao missal de 1474 e assim sucessivamente até o século IV. Houve continuidade desde o século IV em diante. Depois do século XV há mais quatro séculos de continuidade. Ocasionalmente algumas pequenas modificações: a adição de uma festa, comemoração ou rubrica.

 

No documento conciliar Sacrossanctum Concilium, o Vaticano II pediu reformas litúrgicas. Ao final das contas, este era um documento bastante conservador: o latim foi mantido, os cantos gregorianos conservaram seu lugar legítimo na liturgia. No entanto, o que se seguiu ao Vaticano II está muito longe dos documentos do concílio. O infame "espírito do concílio" não pode ser encontrado em nenhum lugar nos textos conciliares. Somente 17% das orações do antigo missal se encontram no novo missal de Paulo VI. Dificilmente se pode falar de continuidade, de desenvolvimento orgânico. Bento XVI reconheceu este problema e, por isso, deu um amplo espaço para a Missa tradicional. Inclusive disse que ninguém necessitava de permissão ("o que era sagrado [as orações de então] continua sendo sagrado").

 

O Papa Francisco pretende agora que seu motu proprio pertença ao desenvolvimento orgânico [sic] da Igreja, o que contradiz totalmente a realidade. Ao pretender fazer praticamente impossível a Missa tradicional, finalmente rompe com a antiga tradição litúrgica da Igreja Católica Romana. A Liturgia não é um brinquedo dos papas, é patrimônio da Igreja. A Missa tradicional não se trata de nostalgia ou gosto. O Papa deveria ser o guardião da Tradição, o Papa é um jardineiro, não um fabricante. O direito canônico não é simplesmente uma questão de direito positivo, também existe a Lei natural e a Lei divina e, além disso, existe a Tradição que não pode simplesmente ser deixada de lado.

 

O que o Papa Francisco está fazendo aqui não tem nada a ver com evangelização e menos ainda com misericórdia. É mais como uma ideologia.

 

Se você for em qualquer paróquia onde se celebra a Missa tradicional, o que encontrarás ali? Pessoas que somente querem ser católicas. Em sua grande maioria, estas pessoas não as que se envolvem em disputas teológicas, nem são contra o Vaticano II (embora sejam contra a maneiro como foi implementado). Amam a Missa tradicional por seu caráter sagrado, sua transcendência, a salvação das almas é o fundamental nela, a dignidade da liturgia. Você encontrará famílias numerosas, as pessoas se sentem bem-vindas. Somente se celebra em um pequeno número de lugares. Porque o Papa quer negar isso a esta gente? Volto a dizer o que disse antes: é ideologia. Ou é o Vaticano II, incluindo sua implementação prática com todas as suas aberrações, ou nada! O número relativamente pequeno de féis (um número crescente, é verdade, na contramão oposta ao número de fiéis da Missa nova que está em declínio) que se como em casa com a Missa tradicional deve ser aniquilado e será aniquilado. Isso é ideologia e maldade.


A partir da data do motu proprio, a Missa tradicional não pode ser celebrada nas igrejas paroquiais (onde então?)[2], e se necessita de permissão explícita do bispo, que somente pode permitir em certos dias e para aqueles que serão ordenados no futuro e querem celebrar a Missa tradicional, o bispo devem ainda receber aprovação de Roma. Quão ditatorial, quão pouco pastoral [e pouco sinodal], quão impiedoso se pretende ser.

 Leia também: Reforma da reforma e o futuro do Missal de Pio V

Francisco, no artigo 1 de seu moto proprio, chama o Novus Ordo (a missa atual) de "expressão única da Lex Orandi do rito romano". Portanto, já não distingue entre a Forma Ordinária (Paulo VI) e a Forma Extraordinária (Tridentina). Sempre foi afirmado que ambas são expressões da Lex Orandi (Lei da oração), não somente o Novus Ordo. Mais uma vez, a Missa tradicional nunca foi abolida! Nunca escutei de Bergoglio nada sore os muitos abusos litúrgicos que existem em toda parte nas inumeráveis paróquias. Nas paróquias tudo é possível, exceto a Missa tradicional. Todas as armas se preparam para erradicar a Missa tradicional.

 

Por quê? Pelo amor de Deus, por quê? Que obsessão é essa de Francisco em querer aniquilar[3] esse pequeno grupo de fiéis do rito tradicional? O Papa deveria ser o guardião da tradição, não o carcereiro da tradição. Enquanto a Amoris Laetitia se destacou por sua ambiguidade, Traditionis Custodes é uma declaração de guerra perfeitamente clara.

 Leia também:  Joseph Ratzinger refuta o versus populum ou Suma contra o versus populum 

Suspeito que Francisco está dando um tiro no pé com este motu proprio. Para a Sociedade São Pio X será uma boa notícia. Eles nunca poderiam ter adivinhado o quanto estariam em dívida para com o Papa Francisco...


NOTAS:

[1] - Um dos argumentos centrais da carta adjunta é o de que Bento XVI publicou o Summorum Pontificum apenas como uma tentativa de reconciliar os membros dissidentes da FSSPX. O que, conhecendo o pensamento de Ratzinger/Bento XVI e a partir da própria carta aos bispos por ocasião do motu proprio Summorum Pontificum, se depreende como um falso argumento. Na própria carta o papa Bento XVI assinala sobre um desejável mutuo enriquecimento dos ritos. E isto para suprir as deficiências e excessos da reforma litúrgica e evitar uma hermeneutica da ruptura. Bento XVI afirmou no seu livro "O último testamento" que "A reautorização da Missa Tridentina é freqüentemente interpretada principalmente como uma concessão à Fraternidade São Pio X” e que "Isto é absolutamente falso! Foi importante para mim que a Igreja fosse uma só consigo mesma interiormente, com seu próprio passado; que o que antes era sagrado para ela não está de alguma forma errado agora." Fica claro que Francisco não apenas não deseja esse mutuo enriquecimento, como tem uma mentalidade de ruptura em relação a história de Igreja.

[2] - Se o Bispo julgar oportuno, para o bem espiritual dos fiéis, poderá dispensar dessa disciplina e permitir que se diga a Santa Missa Tridentina na matriz paroquial, a teor do cânon 87 § 1. Esta dispensa está sendo praticada por muitos bispos que se pronunciaram.

[3] - O bispo aqui usa a palavra alemã carregada "ausradieren", que foi usada por Hitler quando ele falava em eliminar cidades do mapa: "Wir werden ihre Städte ausradieren."

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Para citar: MUTSAERTS, DOM ROB. Um edito maligno do Papa Francisco ou a liturgia não é brinquedo dos papas. Publicado originalmente em Vitaminexp (blog pessoal do bispo). Traduzido para português por Gabriel L. P. Mota. 26 de julho de 2021.

domingo, 1 de dezembro de 2019

Sobre o perniciosíssimo erro do laicismo


Rev. Pe. Fr. Thomas Pègues, O.P.
Mestre em Teologia
Professor do Angelicum








SOBRE O PERNICIOSÍSSIMO ERRO DO LAICISMO

(Discurso pronunciado na Academia Romana de Santo Tomás de Aquino, Revue thomiste, 1925)


Tradução ao espanhol por Pe. Shaw
Tradução ao português por Gabriel Mota






PRÍNCIPES EMINENTÍSSIMOS,
ILUSTRES ACADÊMICOS,
OUVINTES SELETÍSSIMOS,

     Devemos tratar hoje de um tema que a princípio poderia parecer estranho aos temas que costumamos ouvir nesta ilustre assembleia. Com efeito, as eruditas e notáveis dissertações que já nos foram expostas, se referiam a matérias de filosofia ou até mais especialmente da metafísica, e apontavam muito precisamente a expor ou defender nestas matérias o pensamento genuíno de Santo Tomás de Aquino. Hoje a minha intenção é tratar de examinar de perto e resolver, segundo seja possível, uma questão relativa a ordem moral e que até pareceria referir-se a um certo estado de ânimo no qual devia-se pouca atenção do pensamento filosófico tomista. No entanto - será fácil convencer-se disso - se trata de uma questão importantíssima e de suprema atualidade, cuja solução depende em sua totalidade dos princípios do doutor Angélico.

I

     Tão logo como alguém qualifica algo de pernicioso, em seguida se elucida que se trata de algo nocivo. E se alguém diz de uma coisa que é perniciosíssima, obviamente entende significar que esta coisa é extremamente nociva. E o será em grau sumo se o mal que causa é o máximo mal que se possa causar. Agora vejamos, quando se trata do homem seu mal consiste em ser privado de seu bem ou do que é a sua perfeição. Este mal será supremo para ele se o bem de que se vê privado não é um bem qualquer, mas seu bem supremo e último, cuja privação constitui para ele a suprema miséria. Por outra parte, aos olhos da fé o bem supremo do homem é sua felicidade eterna constituída pela visão mesma de Deus no céu. Logo, se há algo que priva ao homem desta felicidade ou compromete sua aquisição, aquele algo será para o homem sumamente nocivo ou pernicioso. E o será em proporciones sem medida se quando sua ação tem por efeito comprometer ou arruinar esse bem não somente em relação a um só indivíduo, mas a vários e, de certo modo, a todos.

     Isto é exatamente o que afirmamos sobre o erro do laicismo.

     Nossa afirmação se baseia na razão de que o erro do laicismo priva o homem do bem de sua inteligência, que é a verdade, no aspecto de que esta verdade, de ordem eminentemente prática ao mesmo tempo em que é especulativa, dirige o homem em sua vida inteira com vistas a seu fim último por alcançar. E isto não somente como indivíduo, mas ainda mais em sua comunidade familiar, nacional e inclusive mundial.

     O que é importante observar em relação ao laicismo é que ele não é simplesmente uma falta ou deficiência da vontade, mas é essencialmente um erro, uma doutrina que pretende sobretudo tomar posse da inteligência e ali mandar como soberana, ao ponto que seus partidários declaram que por ela as coisas humanas não somente se ordenariam de forma mais razoável, mas que não podem ordenar-se razoavelmente senão por ela.

     Qual é, pois, esta doutrina e em que consiste exatamente? É o que devemos verificar com o maior cuidado.

     Considerado o nome laicismo, ainda que esta forma seja algo novo e que constitua um verdadeiro barbarismo, não deixa, no entanto, de apresentar por si mesmo um significado bastante claro. Designará, com efeito, algo referente aos leigos, enquanto leigos se distinguem propriamente dos clérigos. Daqui se segue que no termo se evoca de imediato certa oposição às coisas que são próprio da Igreja: e precisamente, segundo esta oposição vai aumentando e manifestando-se cada vez mais, teremos no sentido mais formal, como veremos, o laicismo em sua acepção última e perfeita.

     Os graus desta oposição dos homens que não fazem parte do clero da Igreja às coisas da Igreja se distinguem bastante claramente na continuação desta narrativa.

     Os primeiros que se reivindicaram certa independência tinham em vista mais precisamente o governo da Igreja e contra ele lutavam principalmente. Eles não queriam, ao menos pelo que diziam, separar-se da Igreja formal e totalmente, sequer mesmo quanto a seu governo e, com efeito, se diziam católicos e filhos da Igreja. Mas para tudo no tocante ao governo civil ou secular reivindicavam uma plena independência e, mais ainda, sendo simples leigos, tinham a audácia de exigir para si alguma parte, e uma parte cada dia maior, ainda no governo da Igreja mesmo nas coisas que eram de seu âmbito próprio. Este vício e erro, sob nomes diversos e nas múltiplas formas de cesarismo na idade média e do legalismo e regalismo dos tempos modernos, suscitou na Igreja contínuas e inextricáveis dificuldades.

     Esta desafortunada e má disposição do governo secular ou leigo para com o governo da Igreja devia favorecer ao mais alto ponto a revolta dos pseudo-reformadores ou protestantes ainda contra o magistério da Igreja. Estes, com efeito, nunca puderam difundir como fizeram seus erros entre os cristãos e separar da Igreja quase um terço de seus filhos, se os príncipes seculares não tivessem desejado aproveitar a oportunidade que lhes havia oferecido para arrogar-se uma nova e maior independência e usurpar também em benefício próprio os bens da Igreja.

     A partir desse momento, estas duas causas, a rebelião dos príncipes contra o governo da Igreja e a rebelião dos pseudo-reformadores contra seu magistério, atuando simultaneamente, ainda que nem sempre juntas, prepararam as vias a um certo novo magistério - puramente civil ou leigo, aquele - no qual, em sentido próprio e, como em sua parte principal e formal, devia constituir o laicismo.

     Este novo magistério, propriamente leigo ou distinto do magistério da Igreja e, ainda pior, oposto desde o começo de maneira expressa e acérrima ao magistério da Igreja, teve sua origem ou fonte neste movimento de Renascimento do paganismo antigo que não foi somente um movimento de restauração literária, mas que quis reviver também sem distinção alguma todas as opiniões dos antigos, por errôneas que pudesse ser do ponto de vista filosófico ou religioso. Logo os progressos inauditos das ciências naturais, sobretudo nas questões de aplicação prática de todos os âmbitos da atividade humana, trouxeram à vida pública condições novas que colocavam cada vez mais os povos e nações fora da influência da Igreja Católica, que o espírito público já não era atraído senão pelas doutrinas que se mostravam abertamente favoráveis ao desejo insaciável de gozar dos bens desta terra.

     No entanto, estando vigente em sua forma essencial entre as nações ainda católicas aquela antiga ordem política que havia florescido nos tempos da perfeita cristandade, as causas que acabamos de falar não obtiveram seu pleno efeito. Não puderam fundar e consolidar esta sociedade civil ou leiga que em forma de laicismo devia constituir-se, seja em toda sua vida pública ou em seu magistério doutrinal, como externa e, pior, oposta à Igreja Católica. Mas com a transformação política e social que a que se chama Revolução Francesa, algo como uma nova ordem de coisas começou em todo o universo. Devia dar em nossos dias seu fruto último e supremamente nefasto.

     Existe, com efeito, hoje entre as nações e os povos um certo modo de atuar, sancionado inclusive aqui ou acolá pela autoridade da lei, que consiste em deixar completamente de lado a Igreja Católica na própria vida e doutrina. A esta vida e doutrina da Igreja Católica o Estado as ignora absolutamente. Estabelece o princípio de não se ocupar delas para nada. E, no entanto, afirma a pretensão aberta de prover por si mesmo a seus cidadãos todo o necessário para levar uma vida completa e perfeita, não somente como cidadãos, mas também como homens. Daqui se segue que não duvidado em criar escolas que são as suas e nelas não está permitido a quem quer que seja dar outro ensinamento que o seu. É verdade que, todavia, não ousou declarar obrigatório que todos devam frequentar estas escolas [nt. hoje em dia já ousou!]. Contudo, ordena as coisas de tal maneira que somente os abertamente favoráveis a estas escolas gozem de seu favor e, de fato, toda a vida pública e social, enquanto dependente do Estado, se regula e ordena segundo o espírito que preside estas escolas.

     Notemos que este espírito é o do mais puro laicismo: o homem se basta a si mesmo, somente deve ter a si mesmo a regra de sua vida. Como consequência, ali não se recebe nenhuma autoridade além da razão e, além disso, deve-se entendê-la como razão individual ou melhor como razão leiga, que está absolutamente independente de qualquer tipo de ensinamento sobrenatural ou dada em nome de qualquer autoridade externa ou acima do homem. Rechaça-se, pois, nessas escolas de maneira mais absoluta a autoridade da Igreja Católica que propõe e até impõe, em nome de Deus mesmo e por sua autoridade, uma doutrina especulativa e prática que não deve julgar-se pela razão, mas aceitá-la somente pela fé. Recusa-se ali também, como consequência necessária, qualquer doutrina que se apresenta como ditada por Deus sobrenaturalmente e imposta somente por sua autoridade: tanto que destas escolas se rechaça não somente a doutrina católica formalmente, mas também aquela doutrina que os primeiros protestantes haviam preservado outrora como doutrina de Jesus Cristo.

     Se por vezes se encontra entre os doutores do laicismo a distinção entre o que eles chamam de "o cristianismo tradicional e eclesiástico" e "o cristianismo eterno", eles entendem por estas últimas palavras "uma espécie de Evangelho criado da medula do velho Evangelho, a religião laica do ideal moral sem dogmas, sem milagres, sem sacerdotes"[1]. E mais, fingem as vezes querer ter "esse nome tão humano de Igreja Católica", mas com esta condição de que a Igreja aceite "não ser mais que um espírito que sopra livremente na humanidade livre". Mas porque quis ser "uma autoridade superior a da consciência e da própria razão", porque quis obter "este ato de submissão que chamo ato de fé e sobre o qual fundou tudo: doutrina, disciplina, culto, hierarquia, moral, educação", por isso "é necessário que o catolicismo seja e permaneça uma teocracia sacerdotal, que guarde, sob pena de renunciar a si mesmo, sua pretensão de supremacia e que lhe a oponha a pretensão exatamente contrária de uma sociedade laica. Ao não se compartilhar a supremacia, é necessário que uma das duas sociedades rompa com a outra"[2].

     Assim, a fé católica se opõe formalissimamente ao que os doutores do laicismo chamaram de "fé laica". Com isso entendem uma doutrina com razão de dogma, que afirma a supremacia inalienável da sociedade laica, a independência absoluta e intangível da consciência individual e da própria razão ou, em uma palavra, a negação da submissão da inteligência humana a qualquer autoridade superior à razão. Acabamos de ouvir um dos principais doutores e defensores do laicismo proclamar a guerra mais irredutível e sem possibilidade de trégua alguma entre a sociedade laica e a Igreja Católica, por esta única razão de que a Igreja Católica pede ao homem "este ato de submissão que ela chamou ato de fé". A este fundamento, sobre o qual - como dizem eles mesmos, justissimamente - a Igreja fundou tudo, querem arrancar e destruí-lo. O primeiro artigo de sua fé, que eles mesmo chamam laica, consiste em que o homem laico, sob pena de negar-se, não deve nem pode nunca emitir este ato de submissão até o ponto que quem emite este ato não pode pertencer a esta sociedade laica. A sociedade laica, com efeito, segundo eles mesmos, não é, como alguns poderiam crer, a que provê o bem humano e temporal dos cidadãos, mas sem excluir-lhes a possibilidade ou faculdade de perseguir por outra parte o bem divino. Não, por certo, de nenhuma maneira. A sociedade laica, que é a deles, nega e rechaça de maneira mais formal e expressa de si mesma e de quem a compõe, todo bem, qualquer que seja, fora do único bem humano. E entendem por bem humano o bem físico do homem e também seu bem moral, segundo se obtêm e se funda fora de qualquer relação com fé sobrenatural. E mais - porque até isso afirmam expressamente -, fora de qualquer relação com qualquer doutrina especulativa ou, para preservar suas próprias palavras, fora de toda "fórmula metafísica"[3].

     Se segue disto que quem submeta sua inteligência à regra da fé, ou seja, quem se diga e confesse ser católica, inclusive quem ponha como fundamento de sua vida moral e humana uma verdade qualquer de ordem metafísica, sobretudo com respeito do ser soberano e subsistente que todos os homens chamam Deus, este, qualquer que seja, deve ser necessariamente rechaçado do seio da sociedade laica. E se é assim de fato, temos a prova manifesta de que esta sociedade, que existe em forma de instituição política que rege e administra as coisas da nação, exclui de suas escolas e de sua vida de maneira mais absoluta e com uma aspereza e tenacidade incansável, não somente o que é de fé católica ou cristã, mas também tudo relacionado com o Deus verdadeiro e pessoal. Tanto é assim que entre os membros desta sociedade não se permite a ninguém, nem sob nenhum pretexto, pronunciar jamais o nome de Deus quando fazem atos como membros da sociedade laica.

II

     Tal doutrina é errônea: não há católico que não deva convencer-se disso por somente sua exposição que acabamos de fazer. É que, com efeito, todas as mesmas razões que para um católico provam a verdade da Igreja, demonstram necessariamente por oposição a falsidade do laicismo. Por isso mesmo, temos ouvido os partidários do laicismo se opor à Igreja não com relação a algumas verdades particulares que negaria conservando as demais, mas porque destrói até o primeiro fundamento de toda a Igreja, a saber: a possibilidade mesma do ato de fé, segundo implica a submissão da inteligência a uma autoridade existente por fora e acima da razão laica. Urgirá refutar, mas deveria bastar o afastamento, de maneiro mais absoluta, através de proibições tão severas como justas, os fiéis católicos de toda participação ao menos doutrinal com os promotores ou partidários deste erro tão pernicioso. Assim, porque este erro tende hoje a penetrar em todas as partes e se aplica a difundir de uma infinidade de maneiras as falsas razões que apresenta para enganar os espíritos, talvez não careça de utilidade examinar de forma direta e distinta dois ou três de seus axiomas fundamentais e mostrar a sua falsidade radical.

***

     O primeiro destes axiomas, ou melhor o último, e se é possível dizer, o mais radical, é que o homem pode e deve, se quer ser um homem verdadeiramente laico, ordenar sua vida inteira, pública ou privada, independente de qualquer fórmula metafísica, de onde se segue que no Estado laico deve ser totalmente banido das escolas públicas todo ensinamento de ordem metafísico, entendido isto sobretudo do ensinamento metafísico tradicional segundo a Igreja Católica, utilizando Aristóteles.

     Neste ponto o laicismo parece convergir com o positivismo e o kantismo. Todos os positivistas, com efeito, e mais ainda os discípulos de Kant, depois de Kant mesmo, se negam a reconhecer qualquer valor, ao menos prático, na razão especulativa metafísica. Querem eles também fundar a vida moral do homem sobre somente a razão prática, mas com a diferença de que os positivistas se preocupam menos com princípios especulativos ainda na ordem de razão prática e  consideram mais exclusivamente as exigências da vida material ou corporal, segundo se desenvolve entre os homens em forma de vida econômica ou social e sobretudo política. Mas nem os positivistas nem os discípulos de Kant constituem mais que escolas, enquanto o laicismo implica em uma Instituição política que ordena tudo na sociedade com a atenção mais vigilante, segundo o princípio que nos ocupa e excluindo desta sociedade, da maneira mais absoluta e por uma luta sem trégua nem piedade, qualquer outra Instituição, mas sobretudo a Igreja Católica, que julgaria que dito princípio deve rechaçar-se como supremamente falso.

     Não é tanto como princípio de uma escola, senão como um princípio de uma Instituição política, que existe de fato e dispõe todas as coisas no seio da sociedade, que se deve considerar o princípio ou axioma que nos ocupa quando se trata do laicismo.

     No entanto, assim considerado este princípio ou axioma, é forçoso que em seguida apareça como um erro perniciosíssimo a quem julgue segundo os princípios mais indefectíveis da razão humana. Ninguém pode negar-se a admitir, com efeito, que a Igreja Católica, por todo o seu modo de atuar e ensinar em meio aos homens, exerce a mais salutável influência a efeito de pacificar os ânimos e promover as virtudes mais úteis para o bem do homem, seja considerado como pessoa ou como membro da família e da cidade. Se segue disto que o simples fato de excluir, em virtude do princípio em questão, a Igreja Católica das escolas e de toda a vida pública de um Estado, constitui um atentado extremamente grava contra o bem desse mesmo Estado. Do mesmo modo, redundará também em grandíssimo dano do bem desse Estado a exclusão absoluta de suas escolas desta doutrina filosófica recebida e propagada com tanto fruto e brilho no transcurso dos séculos, e que sempre se gloriou de dar à metafísica, como convém, o primeiro lugar na ordem do pensamento, filosofia que leva o nome de seu fundador ou organizador por excelência: o aristotelismo.

     Mas não é somente por causa destas exclusões injustificadas e nefastas, mas também em razão de si mesmo e pelo que é intrinsecamente que o princípio de que falamos deve declarar-se um erro supremamente pernicioso. Quer, com efeito, como dissemos, que o homem organize toda a sua vida, seja na ordem pública ou privada, independentemente de qualquer fórmula ou de qualquer ensinamento e de qualquer noção metafísica.

     Agora vejamos, isto não é outra coisa que querer que o homem seja homem ou que atue e viva como homem, recusando o princípio mesmo da ação que em sentido mais formal da ao homem ser, ou atuar ou viver como homem. Em razão disso se emite uma verdadeira contradição.

     O homem, como efeito, não é propriamente homem senão pela razão. Por outro lado, a razão, segundo é no homem um princípio de conhecimento distinto do sentido, é algo de ordem estritamente metafísica, porque seu objeto próprio não é o ser sensível como tal, senão o ser percebido nas coisas sensíveis, no qual e segundo o qual é necessário que ela julgue e ordene todas as coisas quando se trata da ação propriamente humana: e isto mesmo, que é senão a ordem metafísica? Querer excluir, pois, a metafísica da organização da vida humana é querer organizar a vida sem este mesmo que é seu princípio próprio.

     E que não se diga que a vida humana pode se organizar somente com a ajuda do conhecimento experimental, tal como proporciona a experiência cotidiana ou a experiência alheia conservada e transmitida pelo testemunho da história, ou, se ainda faz falta algum princípio da razão, somente pelo princípio da razão prática formulado por Kant, sob o nome de imperativo categórico, e hoje chamado voz da consciência ou do dever.

     É que, com efeito, o conhecimento experimental, seja próprio e pessoal ou tomado dos testemunhos da história, comunica ao homem tal como é na realidade. Mas o homem, tal como é de fato, apresenta modos muito numerosos e diversos, as vezes inclusive opostos, seja em um só indivíduo segundo a diversidade dos tempos ou das condições em que vive, ou ainda com maior razão, seja considerando o homem em qualquer de suas comunidades existentes ao mesmo tempo e em diferentes lugares ou em distintos tempos que compõem a história. Em meio a esta diversidade e contrariedade, onde, pois, tomar a regra que permitirá organizar a própria vida, privada ou coletiva, se não intervêm a razão propriamente especulativa e metafísica para investigar e determinar a natureza do homem, o que é ele em si mesmo, o que são os outros seres que se encontram em torno dele? Não é evidente que a vida de um indivíduo, segundo seja em si mesmo ou segundo se trate com os demais, deverá diferir muito se o homem é considerado um simples animal que somente difere dos demais animais pelo maior grau de perfeição, ou se leva-se em consideração como ser superior, dotado de uma alma espiritual e imortal; se sua natureza exige a educação de uma família que se conserva e do socorro da sociedade na cidade ou nação ou se, pelo contrário, é melhor para ele viver uma vida errante e vagabunda? Todas estas coisas requerem de maneira mais imperiosa o ato próprio da razão especulativa e o uso constante da mais alta das noções metafísicas.

     Igualmente também parece totalmente inútil o subterfúgio kantiano que queria fazer crer na organização possível de uma vida humana perfeita somente sobre a base do princípio da razão prática, chamado os nomes de imperativo categórico ou de voz da consciência ou dever. Tudo isto se reduz a uma só fórmula: "faz isto". Mas esta fórmula imperativa somente será uma quimera se não se baseia também em alguma razão ou melhor em um princípio da razão totalmente evidente de onde se deduzirá, em seguida e com plena claridade, que "isto deve-se fazer". Este princípio não é outro que o primeiro princípio da razão prática, formulado como se segue: "há que se ir ao bem e fugir do mal". Mas, uma vez mais, toda a questão da razão especulativa e prática, levanta uma nova necessidade, a efeitos de determinar para cada sujeito que atua o que é seu bem e o que é seu mal. Em tal forma que a voz da consciência e do dever, o imperativo "faz isto", pressuponha necessariamente duas coisas: o primeiro princípio da razão prática que declara que há que se ir ao bem e fugir do mal, e uma determinação da razão que mostre que isto é, na verdade, o bem para um indivíduo. Mas vejamos, esta determinação da razão, ainda que seja imediata e natural para as coisas a que a natureza se inclina e que neste caso parecem imediatamente como coisas boas[4], no entanto, já que existe no homem diversas inclinações naturais, sobretudo considerando enquanto animal e enquanto homem, se deduz que não pode haver nele [esta claridade no agir] e que há de fato contrariedade de inclinação, mesmo na ordem mais imediata e mais natural. Enquanto o instinto animal diz "faça isto" através da voz da inclinação natural sensível, a razão por sua vez, através de sua inclinação natural, diz "faz aquilo", e muito frequentemente estas duas coisas são totalmente contrárias. Será preciso, pois, para acabar com este conflito, com o auxílio da razão especulativa e metafísica, determinar qual é destas duas partes a parte superior no homem e qual é a parte inferior, obrigada consequentemente a submeter-se a outra. E tudo isto nos demonstra uma vez mais a necessidade absoluta dos conceitos metafísicos na organização de uma vida humana.

     Portanto, querer organizar a vida humana, privada ou coletiva, independentemente de qualquer noção e de qualquer fórmula metafísica, como dizem os promotores do laicismo, é propor simultaneamente duas coisas incompatíveis e contraditórias.

***

     Mas ainda quando eles consideram este primeiro ponto, a saber: que para organizar a vida humana são indispensáveis certas noções de ordem metafísica, que por exemplo há que se saber o que é o homem, quais são as partes que lhe integram, e o que é requerido por sua natureza ou pela natureza dos seres que estão em torno dele, e mais ainda, concedem que a doutrina metafísica deve ser a doutrina tradicional, a que devemos a Aristóteles. No entanto, o laicismo seguirá sendo um erro e um erro supremamente pernicioso, devido a esse segundo princípio ou axioma em que se afirma que a vida humana, seja privada ou pública, pode e até deve organizar-se independentemente de qualquer doutrina ou de qualquer consideração referente a Deus, de tal modo que deva ser banido das escolas e da vida pública do Estado até mesmo o nome de um Deus pessoal.

     E aqui se impõe uma observação de grande importância. Devemos notar cuidadosamente a diferença, demasiado às vezes esquecida, que existe entre o laicismo e algumas outras escolas onde se ensina também uma doutrina filosófica-política que mantém sobre Deus um silêncio completo. Estas, porque na verdade não puderam chegar à verdade sobre Deus, se esforçam, recorrendo aos princípios imediatos de ordem experimental e positivo sobre a natureza do homem e da sociedade humana que lhes parecem mais adequados, por estabelecer, segundo suas possibilidades, uma certa ordem de atuar mais conforme possível com a verdadeira lei natural para o que é do homem em si mesmo ou de suas relações com os demais, sem recorrer a Deus como fundamento desta ordem. Diremos logo a insuficiência desta posição. Mas devemos notar aqui que estes homens, ainda que não ponham por si mesmos o fundamento da religião, nem sequer a religião natural, no entanto não excluem em seu sistema filosófico-político a Deus mesmo da sociedade cujo bem querem garantir. Inclusive há entre eles quem professam o maior respeito pela Igreja Católica e seu ensinamento mais integral ao ponto de que não cessam de demonstrar sua admiração pelo Syllabus de erros modernos condenados pela Igreja, e muito longe de apartar a Igreja e sua influência da sociedade cujo bem de ordem político querem garantir, lhe indica o primeiro lugar na ordem desta sociedade. Assim, pois, se esses homens falham como doutores, estão muito longe de estar em falta como estão os demais, do ponto de vista da instituição política que querem organizar para o bem da sociedade, porque o que não podem fazer eles mesmos, dão à Igreja Católica, mestra da verdade perfeita, pleno poder e inteira liberdade para fazê-lo. Os promotores do laicismo, ao contrário, se esforçam por todos os meios, inclusive os mais iníquos, por apartar de sua instituição político-social, seja das escolas onde se forma a juventude ou de toda a vida dos cidadãos, qualquer outra instituição, mas sobretudo a Igreja Católica, que falará de Deus de qualquer maneira possível.

     Destes últimos dizemos que sustentam um erro e um erro supremamente pernicioso. É que na verdade a vida do homem, seja referindo-se a sua vida individual ou a sua vida em família, na cidade ou na nação, se se exclui de maneira positiva e absoluta qualquer relação com Deus, fica-se sem o único fundamento último que a apoia ou sem a única razão última que a explica e justifica: e não é possível que agindo deste modo ninguém funde uma ordem qualquer de moralidade humana que seja firme e eficaz entre os homens, individualmente ou nas relações dos homens entre si.

     Esta segunda parte de nossa afirmação pode provar-se sem demora. A experiência mesma, diária ou a que a história nos revela, nos ensina quão difícil é para o homem, em si mesmo ou na relação com os demais, observar as leis da sã moral ainda recorrendo ao freio omnipotente da autoridade e do temor de Deus, sumo Legislador e sumo Juiz. Desta forma, se se remove também esta espécie de freio e o aparta completamente da organização da vida humana, o que poderá restar no homem e entre os homens, senão a mais terrível força que arrasta para o abismo de todos os vícios e crimes? - Mas supondo por impossível que seja que o homem chegue a praticar todas as virtudes, não ficaria nele esta abstenção, que não há nome para descrever, que o impediria de render qualquer dever a seu Bem supremo, Deus, de quem deve todo o bem que possui, e cujo louvor deve ser o fim principal de todas as suas ações? Uma tal abstenção deve ser considerada culpável, não somente quando se trata da pessoa mesma, mas também, e em certo sentido de maneira mais grave ainda, quando se trata de uma sociedade humana qualquer, e mais concretamente da sociedade natural que a família e a pátria constitui.

     Contudo, além destas razões que dizem respeito mais à questão de fato - a saber, que não se estabelecerá nunca entre os homens, tais quais a experiência nos revela, uma moral verdadeira e completa, excluindo de maneira positiva da organização de um Estado ou de uma sociedade, tudo que se refere a Deus -, devemos apontar outra razão que chega até as últimas raízes do erro tão pernicioso que descrevemos.

     Diremos, pois, que se havendo descartado tudo o que diz respeito a Deus, é necessário que a vida moral do homem, individualmente ou em sociedade, fique sem o único fundamento último que a apoia ou sem a única razão última que a justifica e explica.

     E, sem dúvida, se se trata da pessoa, será possível, absolutamente falando, com a ajuda da razão especulativa e metafísica de que falamos, estabelecer uma certa ordem de vida moral, no sentido de que, considerando a natureza mesma do homem e suas diversas partes - uma das quais, a saber a razão, parece superior e a outra, a saber a sensível, é inferior -, se declarará que esta deve obedecer àquela. Do mesmo modo, tal indivíduo, considerado como uma parte de tal todo determinado, a família, por exemplo, ou a cidade e a pátria, poderá ser obrigado pela razão a comportar-se segundo convém à parte desse todo. E, portanto, como a luz da razão prevalecerá em tal homem ou entre os homens, será possível, falando de uma maneira absoluta, que uma certa ordem de moralidade se estabeleça no homem mesmo ou ainda nas relações dos diversos homens entre si.

     Mas porque na hipótese mesma de que estamos supondo esta ordem se baseia na luz da razão, será forçoso que se estabeleçam as condições da razão em toda sua amplitude e rigor. E precisamente esta luz da razão é uma condição tal e de tal natureza, que não tende somente a penetrar umas ou outras razões do que é, mas que não tem descanso senão quando tiver captado todas e na ordem ou subordinação que as constitui, de tal maneira que lhe corresponde ver desde a base até o come o infalível vínculo que as une e encadeia, seja na ordem especulativa ou na ordem prática. É nisto que consiste propriamente a função e ofício da razão. Porque o próprio da razão é ordenar.

     Por outro lado, se supomos que se estabeleça em um Estado esta razão de atuar que fará que se ensine aos homens que devem regular a sua vida moral de tal maneira que neles mesmos a parte sensível esteja sujeita à razão, e que eles mesmos guardem sempre seu devido lugar, na família ou na pátria, por esta razão - de outra parte justíssima e realíssima - de que a parte deve portar-se como parte e se são desiguais a parte inferior deve submeter-se à parte superior, - o que responderão os doutores e mestres deste ensinamento estatal quando a razão a que apelavam novamente levantar a pergunta se há alguma outra coisa que esteja acima da razão do homem? Há alguma outra coisa que esteja acima do Estado? Não responder seria abdicar da razão. Responder que não existe nada ou que se existe algo, não importa e não há que se ocupar deste algo, certamente não será silenciar a questão e apaziguar a legítima curiosidade da inteligência e da razão: porque dizer que não existe nada acima da razão do homem e acima do Estado é um erro certíssimo ou uma mentira manifesta, e dizer que se há algo acima não se deve ocupar deste algo, é o máximo da iniquidade e perversidade.

     E, portanto, ou os mestres e doutores confessariam a Deus - o que é a negação de seu princípio - ou se obstinariam em sua abstenção ou negação - e neste caso deverá necessariamente desmoronar-se tudo o que havia de razão em sua instituição de vida moral. Como poderiam, desde o ponto de vista da razão, pedir a submissão de uma parte a outra parte ou da parte ao todo no homem mesmo ou em uma sociedade qualquer, enquanto eles mesmos recusam com pertinácia a submissão da razão ou da família e da pátria à Deus, que no entanto está acima da razão, da família e da pátria? E mais, quando se trata da razão de obediência em sentido estrito, segundo a qual a vontade de um homem deve submeter-se à vontade de outro ou outros, toda a razão desta submissão é que a vontade que manda é uma participação da vontade divina[5], até tal ponto que não se lhe deve obediência, desde o ponto de vista da consciência, senão porque ela mesma permanece submetida a Deus.

     E que não se diga que é em nome de todo o povo que se faz o mandato, de tal forma que se deva obedecer em consciência ou por necessidade de razão a quem manda em nome de todo o povo. Isto é não dizer nada em absoluto, seja porque o povo como povo é somente um agregado de vontades humanas, porque a vontade humana como tal não tem direito de mandar em outra vontade humana, senão somente se tem o lugar da vontade divina e manda em seu nome, ou pelo menos participa em sua autoridade. Seja também porque o povo, ainda sob sua razão de povo, ou enquanto constitui um certo todo, o que lhe dá a razão de superior em comparação com as vontades dispersas dos indivíduos e particulares, não é, no entanto, a razão suprema de todo no mundo, senão que ele mesmo tem algo por cima de si. Assim, pois, se ele não obedece a seu superior, que é Deus, reconhecendo formalmente seus direitos e submetendo-se a Ele, nenhuma vontade individual tomada em particular estará obrigada a obedecer-lhe desde o ponto de vista da razão, de tal maneira que o povo tenha o direito de exigir esta obediência, se se a negam, porque ele mesmo a nega àquele a que se lhe deve.
Esta forma de laicismo, baseada no princípio ou axioma que acabamos de examinar e que recusa de maneira mais formal todo o dever dos indivíduos e da sociedade para com Deus, é tudo o que há de mais pernicioso, porque não é somente por modo de consequência, como a primeira, mas por modo de suprema injúria pessoal e formal que ofende a Deus da maneira mais direta. E mais: de alguma maneira se apresenta como algo mais grave e pernicioso que este pecado tão grave e erro tão pernicioso que é a idolatria, que supera, em testemunho de Santo Tomás[6], todos os demais pecados e erros. Os idólatras, com efeito, se equivocam sobre a pessoa de Deus, mas conservam ao menos uma certa ideia e um certo culto à divindade, e reconheciam que o homem tem deveres sagrados com ela. Estes, ao contrário, por uma cegueira ou obstinação incríveis, não querem saber nem ouvir nada sobre Deus, ao ponto que ainda sob o golpe da horrível guerra que chocava fundamentalmente todo o universo, não quiseram de nenhuma maneira consentir em recorrer a Deus.

III

     A forma de laicismo que acabamos de examinar, como foi ela mesma a causa e o motivo da primeira forma, na qual a ordem da razão especulativa é demolida para poder mais facilmente impedir a razão natural de ascender até Deus, teve sua origem e sua fonte na má disposição dos homens para com a Igreja Católica.

     A Igreja Católica, com efeito, ensina sobre Deus a verdade mais inteira e mais perfeita. Disto se seguiu e devia se seguir que subtraindo-se sua influência, ou até a atacando abertamente e rechaçando o que lhe toca, era necessário, por uma espécie de progressão necessária do mal, que se rechaçasse também o que diz respeito a  Deus. Por onde se vê que a separação da Igreja Católica ou a má disposição para com ela foi o começo e o ponto de partida destes erros tão perniciosos que atacam a Deus mesmo ou a ordem essencial e transcendente de nossa razão.

     Devemos agora considerar a terceira e final manifestação do laicismo, cujo princípio próprio e axioma é que a Igreja Católica deve ser ou totalmente ignorada pelo Estado ou até mesmo combatida e rechaçada por ele, porque a vida do homem, seja privada ou em sociedade, pode e deve ser organizada sem ter nenhuma orientação para com a Igreja Católica e até rechaçando-a expressamente.
Se somente se trata da vida natural do homem e supondo que não tivesse sido elevado por Deus ao estado sobrenatural, a questão da Igreja Católica não se levantaria. E seria possível sustentar, falando de uma maneira absoluta e teoricamente, que a vida do homem poderia ordenar-se com a ajuda da razão tomada em si mesma e reconhecendo, como convém, os direitos de Deus.

     Mas se levamos em consideração o homem elevado a um fim sobrenatural por uma vontade imperativa de Deus, de tal maneira que se o homem não chega a tal fim, ao menos quando se trata de adultos, incorrerá necessariamente na desgraça eterna e em horríveis suplícios - porque "horrenda coisa é, por certo, cair nas mãos do Deus vivo"[7]. Neste caso, querer estabelecer entre os homens um modo de ser e viver onde não não tenham nenhuma parte com a Igreja Católica, única instituída por Deus para conduzir os homens ao seu fim sobrenatural, que coisa é senão mostrar-se inimigo mais cruel do gênero humano? Com que termo se chamará estes homens que aspiram administrar a coisa pública entre as nações e os povos e que não têm senão a obsessão, da qual se gloriam ao invés de se envergonharem, de expulsar a Igreja Católica e, se pudessem, destrui-la totalmente?

     Sem ir até o limite extremo no erro e mal aonde se conduzem os promotores do laicismo, há outros que ensinam e põem em prática este modo de atuar do Estado em relação a Igreja que consiste em deixar a Igreja, enquanto Igreja, em si mesma ou totalmente de lado e somente considerá-la como uma das muitas sociedades ou associações de cidadãos a que regem as leis comuns, ou como dizem, o direito comum.

     Esta forma de laicismo hoje em dia tem a tendência de difundir-se e fazer-se aceitar quase por todo o mundo entre as nações e povos. Esta forma de atuar se baseia na suposta na ideia de que com este modo de atuar, seja do Estado ou da Igreja, guardando sua plena independência, estão em uma melhor condição para realizar o bem próprio que uma e outra visam atingir. O Estado, com efeito - cuidam de fazer notar -, se converte na maioria das vezes em obstáculo e impedimento para a ação da Igreja quando quer ocupar-se dela, inclusive com disposições benévolas. E a Igreja, por outra parte, tenderia às vezes a atribuir-se o papel de Estado, saindo dos limites do espiritual para imiscuir-se nas coisas do governo temporal. Acrescenta-se também - e esta razão parece adquirir cada dia mais força - que hoje se encontra em quase todos os povos e nações uma mescla inextricável onde se confundem todas as opiniões filosóficas e religiosas que com bastante frequência não têm nada a ver com a doutrina ensinada pela Igreja Católica ou inclusive lhe são totalmente opostas, de tal maneira que o Estado não poderia mais, sem perigo para a paz pública, pronunciar-se sob a forma que seja a favor da Igreja Católica. Daqui se segue que o Estado, para garantir como deve o bem dos cidadãos, está obrigado por uma necessidade absoluta, sem dúvida ainda que sem manter atitude hostil para com a Igreja, a permanecer totalmente indiferente ou, como se diz também, absolutamente neutro.

     Eis aqui nossa resposta a este última razão. Longes de prover o bem dos cidadãos que deve ter como efeito objetivo, o Estado, ao contrário, através da atitude em questão, compromete este bem de forma mais grave. É que, com efeito, o bem dos cidadãos não somente consiste na prosperidade da terra, nem em um certo falso repouso ou em uma tranquilidade enganosa, que será mais ou menos favorável de acordo com os assuntos e o estabelecimento das pessoas. Tanto deve preferir-se a esta falsa tranquilidade, para cada cidadão, o acesso aberto e fácil a respeito da obtenção do bem espiritual e sobrenatural, que seria muito melhor ter esse acesso aberto e fácil ao lado ou inclusive em meio de alguns transtornos de ordem humana e terrena, a ver as coisas humanas na mais absoluta tranquilidade e na maior prosperidade e com uma virtual impossibilidade de viver a vida sobrenatural. Não é acaso Cristo mesmo quem nos diz no Evangelho: "Não penseis que eu vim para trazer a paz sobre a terra, não vim trazer a paz, mas a guerra"[8]. - Se, portanto, a indiferença ou neutralidade do Estado para com a Igreja Católica deve ter como consequência - e o terá necessariamente - levar a um grande número de cidadãos e até a sua imensa maioria a imitar esta indiferença, enquanto que, se o Estado desse o exemplo, eles mesmos caminhariam com passo mais atento na via da bem-aventurança, não se seguirá que somente por esse motivo o Estado haverá atuado da maneira mais perniciosa contra o bem dos cidadãos?

     Acrescenta-se a esta razão que com este modo de atuar o Estado não pode realizar de maneira perfeita seu dever essencial. O Estado, na realidade, como sociedade perfeita, está obrigado estritamente a render a Deus, autor da sociedade, o culto que se lhe deve. Assim, pois, se quer ignorar a Igreja Católica, será necessário, que se abstenha totalmente de render a Deus qualquer culto, como pedem os instigadores do laicismo absoluto, e este é - como dissemos - o maior dos crimes, ou ainda que ele mesmo, o Estado, organize um culto a Deus a sua maneira, independentemente da Igreja Católica, e neste caso renderá a Deus um culto indevido, que Deus não pode nunca aceitar como agradável, exceto apenas o caso da boa fé e da consciência reta embora errônea, mas este último caso não é possível se se trata de homens católicos, e ainda se se trata dos demais, é apenas concebível, a partir do momento em que se supõe que estes homens negam a priori e absolutamente todo ponto de contato com a Igreja Católica.

     Há outra razão de extrema importância que diz respeito sobretudo aos povos e nações que outrora formavam, sob o belíssimo nome de "Cristandade", a grande República cristã. Com esta ignorância querida e esta indiferença completa do Estado para com a Igreja, ocorrerá necessariamente que a coisa pública seja administrada sem nenhuma consideração para com as doutrinas ou opiniões, sejam filosóficas ou religiosas, dos cidadãos até o ponto tal em que no Estado regido por esses princípios uma parte do governo, sem excluir as mais altas posições, poderá cair na sorte não só de homens cristãos e católicos, mas também de hereges, judeus ou até homens que, imbuídos de um novo paganismo pior que antigo, não professam nenhuma religião. Deste caso, em que os homens não cristãos, não católicos, se encontrem colocados no governo dos povos cristãos ou católicos, Santo Tomás, tratando da questão do sacrilégio, fala nos termos seguintes, cuja gravidade seria difícil exagerar: "O povo cristão é um povo santificado pela fé e pelos sacramentos de Cristo, de acordo com aquelas palavras de 1 Cor 6,11, que diz 'Vós fostes lavados, fostes santificados'. Pelo mesmo motivo, em 1 Pe 2,9 nos diz 'Vós sois a linhagem elegida, sacerdócio régio, nação santa, povo resgatado'. Segundo isso, quando se supõe uma ofensa ao povo cristão, por exemplo, quando se põe para conduzi-los a infiéis, constitui falta de respeito para com uma coisa sagrada. Com razão, pois, se chama sacrilégio"[9].

     Além destas razões podem dar-se uma razão geral que mostrará de maneira mais clara que esta última forma de laicismo, em qualquer grau que se encontre e sob qualquer forma que seja posta em prática, deve ser considerada por todos, e em si mesma, como um erro supremamente pernicioso. Esta razão se baseia na natureza mesma do Estado e da Igreja. O Estado, com efeito, está ordenado para o bem temporal dos cidadãos, enquanto que a Igreja está ordenada ao bem espiritual e eterno desses mesmos cidadãos. Mas vejamos, é manifesto que o bem temporal dos cidadãos deve ser promovido pelo Estado de tal maneira que, longe de prejudicar seu bem espiritual, ao contrário, o favoreça da melhor forma possível. Porque os dois fins em questão, o temporal e o espiritual, permanecem ordenados e subordinados entre si, e ambos, ao fim espiritual considerado como superior e ao fim temporal como inferior, devendo em todas as coisas influir de maneira conjunta para o bem perfeito do homem. A esta pretensão de que todas as coisas seriam melhor se o Estado e a Igreja se ocupem, separadamente, do que lhes é próprio, ignorando-se mutuamente e sem ter em nada em comum, Santo Tomás responde com uma só palavra que encerra para sempre a questão. Falando do movimento de nossa alma a Deus com vistas a honrá-lo e render-lhe o culto que lhe devemos, o santo Doutor diz: "pelo fato de honrar e reverenciar a Deus, nossa alma se humilha diante d'Ele, e nisto consiste a perfeição da mesma, já que todos os seres se aperfeiçoam ao subordinar-se a um ser superior, como o corpo ao ser vivificado pela alma e o ar ao ser iluminado pelo sol"[10]. Notamos por estas palavras que, longe de encontrar perfeição alguma no fato de estar separado da Igreja, este Estado somente pode se encontrar em seu mal supremo. É, com efeito, verdadeira a comparação do Estado em relação a Igreja, como o corpo em relação a alma que o vivifica. Pois bem, quem poderá sustentar que a perfeição do corpo consiste em não estar submetido à alma ou a estar separado dela? Sabemos com que nomes se chamam esta insubordinação e finalmente separação: deficiência, incapacidade e morte. Igualmente, também para utilizar a outra comparação de Santo Tomás, quando o ar não está submetido à iluminação do sol, o que pode restar nele senão as trevas e a noite? Por consequência, quando se pretende atribuir uma razão de perfeição a qualquer Estado possível supondo-o imperfeitamente sujeito à Igreja, ou separado dela, esta perfeição não passa de ilusão e mentira.

***

     Agora podemos captar como que de um só olhar todo este erro tão pernicioso do laicismo. Consiste propriamente em que dá como perfeição e bem do homem o que é seu mal supremo e sua última miséria. Persuade ao homem a não submeter-se a seu superior, seja seu superior a Igreja, ou Deus, ou os primeiros princípios mais indispensáveis e mais seguros da razão. E porque, como ensina Santo Tomás, é necessário que "se se levanta alguém contra uma ordem, é lógico que seja iluminado por essa ordem mesma ou pelo que a preside"[11], se deduz que, conforme avança o laicismo, o homem que por si se rebela contra todas as ordens e contra toda superioridade, se encontrará deprimido por todos: depressão que se chama com o nome de pena ou castigo. Já será uma pena muito grave para o homem encontrar-se subtraído da influência salutável e vivificante de seus superiores, a saber: a razão, Deus e a Igreja. Mas essa pena não pode bastar para restabelecer a ordem violada. Por seu ato culpável de insubordinação, o homem agiu contra a ordem. É preciso, pois, por justiça, que o princípio da ordem, o que o tem em custódia, vingue também a ordem ultrajado. E o princípio de todas estas diversas ordens não é outro, em última análise, que Deus mesmo. E d'Ele lemos em sua Escritura que se reserva de uma maneira muito especial ao cuidado da vingança: "Sim, a mim pertence a vingança, e eu lhes darei o pago no tempo em que seus pés resvalarem, pois já está próximo o dia de sua perdição e esse prazo vem voando"[12]. Como consequência, quando vemos agora o universo inteiro castigado por um mal inaudito[13], se queremos entender o que ocorre, devemos recordar que nunca desde a origem do mundo houve entre as nações um crime tão horrível como o que hoje em dia se está propagando, um pouco por todo o mundo, ainda que não sempre com a mesma forma de extrema perversidade. Era necessário que, como outrora, quando todo o universo estava manchado pelo delito da carne, veio o dilúvio de água a purificá-lo e castigá-lo, hoje o crime do laicismo foi lavado em todo o universo por um dilúvio de sangue. Com efeito, o Senhor havia dito: "Levantarei a minha mão ao céu e juro por minha eternidade: quando se afiar o gume da espada, e o farei como um raio, e empunharei minha mão a justiça, tomarei vingança de meus inimigos e retribuirei aos que me odeiam. Embeberei de sangue minhas flechas"[14], e acrescentou, indicando que não separava sua causa da causa de sua Igreja:
 
     "Alegrai-vos, ó nações, por seu povo, porque o Senhor vingará o sangue de seus servos, tomará vingança de seus inimigos, e derramará sua misericórdia sobre a terra do seu povo"[15].

     Oxalá os povos e nações logo compreendam! E que assim, rechaçando o veneno mortal do laicismo, se faça finalmente dignos das misericórdias do Senhor, nosso único Salvador!

Fr. Thomas Pègues, OP.


O Rev. Pe. Fr. Pègues nasceu em 2 de aosto de 1866 em Marcillac. Morreu aos 28 de abril de 1936 em Dax. Fez seus estudos no Grande Seminário de Rodez. Entrado na província dominicana de Tolosa, ali tomou o nome de Thomas. Tendo-se convertido em  um dos grandes comentaristas de Santo Tomás, firmou numerosos artigos e livros. Foi professor em vários institutos importantes, incluindo o Collegium Angelicum de Roma. "Já que é separando-se da escolástica e de Santo Tomás que o pensamento moderno se perdeu, nosso único dever e nosso único meio de salvá-lo é devolver-lhe, se quer, esta mesma doutrina", dizia (Revue thomiste, Julho de 1907).


NOTAS 
[1] - Ferdinand Buisson, La foi laïque, p. 62.
[2] - Ibid., p. 69, 70, 71.
[3] - Ibid, p. XIV.
[4] - Santo Tomás, Suma teológica., I-II, q. 94, a. 2.
[5] - Santo Tomás, Suma teológica, II-II, q. 101 a. 1; q. 102, a. 1; q. 104 a. 1.
[6] - Santo Tomás, Suma teológica,II-II, q. 94, a. 3.
[7] - Hebreus 10, 31.
[8] - Mateus 10, 34.
[9] - Santo Tomás, Suma teológica, II-II, q. 99, a. 1, ad 2.
[10] - Santo Tomás, Suma teológica, II-II, q. 81, a. 7.
[11] - Santo Tomás, Suma teológica, I-II, q. 87, a. 1.
[12] - Deuteronômio 32, 35.
[13] - Era o momento mais agudo da Primeira Guerra Mundial quando foi pronunciado este discurso. E queira Deus que o agravamento do laicismo que presenciamos não atraia novamente sobre a França e sobre o mundo flagelo de mesma natureza ou ainda pior! Pode haver um meio para prevenir-lo. Este meio seria que os católicos da França e de todo o mundo despertassem para transformarem-se o quanto antes em um movimento de salvação nacional e mundial.
[14] - Deuteronômio 32, 40-42.
[15] - Deuteronômio 32, 43.

NOTA DO TRADUTOR

Importa recordar que neste debate teológico, que vai muito além das questões teóricas, debruçando-se sobre as possibilidades práticas nas diversas situações, tempos e lugares, sobre as relações da Igreja com o Estado existem posições diversas, conforme as linhas de pensamento das várias correntes teológicas. Deste modo, é sumamente importante, e mesmo indispensável para a caridade, que, com exceção daqueles que abertamente declaram seu repúdio à ação da Igreja Católica, entre os católicos, filhos da Igreja, haja um ambiente de respeito e reverência para com os de posição diversa. Por mais que se julgue estar em posição mais conforme à fé católica, deve-se conceder aos demais o benefício (cf. Suma, IIa-IIae, q.60, a.4, ad.1) da boa vontade e da reta consciência, ainda que errônea, segundo o juízo que se fizer, tratando-os como irmãos na fé ou mesmo como adversários, porém no âmbito da disputa teológica, jamais como disputa pessoal, evitando toda forma de ataques contra a virtude da justiça, como a contumélia, a difamação e a zombaria (cf. Suma, IIa-IIae, q.72, 73 e 75).

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Para citar: Thomas Pègues, Sobre o perniciosíssimo erro do laicismo, 1925. Publicado no blog "Regozija-te com a Verdade" aos 01 de dezembro de 2019. Tradução de Gabriel Luan P. Mota. 

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