segunda-feira, 22 de junho de 2015

A doutrina contida na Laudato Si

A doutrina contida na Laudato Si


Nesta semana o Santo Padre lançou sua encíclica «Laudato Si» – Louvado sejas – e não faltaram polêmicas por parte dos católicos, acatólicos, anticatólicos, quem quer que fosse emitia sua opinião, e não apenas, mas também sua crítica. A uns parecia uma encíclica irrelevante, a outros foi motivo de decepção, quando na verdade é uma belíssima carta que insere um contributo importante na Doutrina Social da Igreja. 


Apresentada como sendo um documento a tratar ‘sobre o cuidado da casa comum’, a encíclica desenvolve uma filosofia onde parte-se de um princípio de responsabilidade pelo Dom recebido de Deus, a terra. Aos passos de São Francisco de Assis, o Santo Padre quer nos ensinar a conviver de forma saudável com o ambiente que vivemos, realizando uma conversão ecológica, que é mais do que sair às ruas e atar-nos às árvores, esvaziando-nos de toda pretensão de sermos deuses de nós mesmos, tomando, pelo contrário, uma atitude de criaturas, embora especiais, firmando a fé de que não somos donos do mundo.

Toda a mensagem pode ser resumida como acima foi dito, isto é, que não podemos fazer uso indiscriminado do que não é nosso, mas é um dom que recebemos, como «administradores responsáveis», e devemos transmitir às novas gerações, e que, além disso, os danos causados ao meio ambiente têm reflexo no aspecto social, atingindo principalmente os mais desfavorecidos, como os pobres e as crianças. Assim, pois, tudo isso é um pecado que clama justiça.
Feita a abordagem geral, passarei a expor e comentar alguns pontos centrais, mas que nem sempre são facilmente percebidos. Não pretendo fazer um resumo sistemático na sequência lógica da encíclica, mas apenas oferecer algumas observações sobre o ensinamento contido na encíclica.
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 Lê-se que a carta é endereçada não somente aos que creem, mas «a cada pessoa que habita neste planeta», com isso querendo afirmar que o cuidado para com a terra é dever de todos; continua a afirmar que os problemas ambientais são devidos a «atividade descontrolada do ser humano», em especial pelo progresso da técnica.

O mundo tomou-se pela técnica que estar a aniquilar as reservas ambientais sem considerar os danos causados. Citando o Papa Beato Paulo VI, diz que se os progressos científicos não estiverem unidos ao «progresso social e moral, voltam-se necessariamente contra o homem». Não que a tecnologia seja má, pelo contrário, «não podemos deixar de apreciar e agradecer os progressos alcançados especialmente na medicina, engenharia e comunicações», mas o seu uso deve ser regulado.

Um desenvolvimento tecnológico e económico, que não deixa um mundo melhor e uma qualidade de vida integralmente superior, não se pode considerar progresso. (Laudato Si, n. 194)

Uma mentalidade de autossuficiência impregnou-se naqueles que detêm o conhecimento científico, o poder científico! Não é à toa que tenha existido fatos históricos como a guerra fria, onde a ostentação das armas era o princípio compartilhado. Ele recorda-nos o «nazismo, o comunismo e outros regimes totalitários» que possuíam a tecnociência ao seu lado. Este poder não se reflete apenas na guerra ou no passado, mas está sobretudo no mercado financeiro guiado pelo consumismo.


Debaixo do consumismo está a crise do antropocentrismo moderno que, segundo o Papa, «acabou por colocar a razão técnica acima da realidade», não aceitando mais que a natureza das coisas o regulem, opondo-se mais uma vez ao projeto divino, fazendo de si mesmo um ídolo. O Santo Padre diz, no entanto, que «a realidade é superior à ideia», coisa que ele repete algumas vezes.

Se o ser humano se declara autónomo da realidade e se constitui dominador absoluto, desmorona-se a própria base da sua existência, porque ‘em vez de realizar o seu papel de colaborador de Deus na obra da criação, o homem substitui-se a Deus, e deste modo acaba por provocar a revolta da natureza’. (Laudato Si, n. 117)

Nesta perspectiva surgem ideologias que aproveitam destes erros antropológicos e imprimem entre as pessoas seus venenos, tal como a mentalidade de gênero. O homem também possui uma natureza, mas esta é negada, abrindo espaço para que os ventos carregados de malícias demoníacas entrem por estas frestas. O Papa diz que «não é salutar um comportamento que pretenda cancelar a diferença sexual», como o faz a ideologia de gênero, aproveitando justamente a negação na realidade da natureza criada por Deus e estabelecida previamente, a que o homem deve sujeitar-se.
Declara com isso o princípio de que «não há ecologia sem uma adequada antropologia», reforçando a ideia de que não será possível haver um mundo ecologicamente sustentável com as premissas antropológicas revolucionárias da modernidade. É necessário que o homem saia do trono do altíssimo e ponha-se no seu lugar, na eminência da criação, mas sempre dentro da criação e não fora desta.

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Onde ele quer chegar com tudo isso? Mostrar-nos que o problema ambiental é devido à falta de virtude da humanidade, arraigada nos vícios da soberba, avareza e luxúria. Falta humildade para reconhecermo-nos como criaturas, soma-se a isto a busca pelo prazer, esquecendo que temos irmãos frágeis que dependem de nós (veremos isso adiante) e a ganância em acumular mais do que o necessário para a subsistência própria e dos filhos.

Não é fácil desenvolver esta humildade sadia e uma sobriedade feliz, se nos tornamos autônomos, se excluímos Deus da nossa vida fazendo o nosso eu ocupar o seu lugar, se pensamos ser a nossa subjetividade que determina o que é bem e o que é mal. (Laudato Si, n.224)

É sabido que a soberba foi o pecado da queda original, e com tal, aconteceu uma ruptura na relação do homem «com Deus, com o próximo e com a terra». O mandato do Pai para que o homem domine a terra (Gn 1, 28) já não é mais entendida de modo correto, esquece-se também o mandamento de cultivar e guardar (Gn 2, 15), fazendo das relações originais um «conflito». No entanto, devemos «rejeitar que, do fato de ser criados à imagem de Deus e do mandato de dominar a terra, se deduza um domínio absoluto sobre as outras criaturas», mas devemos sempre lembrar que, em última instância, tudo pertence ao Senhor (Dt 10, 14).


Podemos, entretanto, fazer uso da criação de Deus, mas de modo responsável e respeitoso, pois somos chamados a reconhecer que «os outros seres vivos têm um valor próprio diante de Deus e, pelo simples fato de existirem, eles O bendizem e Lhe dão glória». Ligado a isto, ele fala noutro lugar, citando o catecismo, que as experiências com animais são válidas, assim como o homem pode «intervir no mundo vegetal e animal e fazer uso dele quando é necessário para a sua vida», desde que não extrapolem o «limite do razoável e contribuam para curar ou poupar vidas humanas».
A isso, os ambientalistas radicais, que afirmam que o homem possui a mesma dignidade que uma galinha ou ameba, bem como o grupo de hereges seguidores da teologia pagã de Leonardo Boff, onde prega-se que a terra é uma espécie de ser vivo divino que carrega o fardo da humanidade parasita sobre si, rasgam as vestes.

(...) não significa igualar todos os seres vivos e tirar ao ser humano aquele seu valor peculiar que, simultaneamente, implica uma tremenda responsabilidade. Também não requer uma divinização da terra, que nos privaria da nossa vocação de colaborar com ela e proteger a sua fragilidade. Estas concepções acabariam por criar novos desequilíbrios, na tentativa de fugir da realidade que nos interpela. Às vezes nota-se a obsessão de negar qualquer preeminência à pessoa humana, conduzindo-se uma luta em prol das outras espécies que não se vê na hora de defender igual dignidade entre os seres humanos. (Laudato Si, n. 90)

Neste ponto quero destacar a que consequência nos conduz o cuidado com a natureza, isto é, com a fragilidade da terra. Não pode-se querer salvaguardar esta fragilidade sem recordar outras igualmente importantes, como a dos pobres, das crianças e dos idosos. O Papa fulmina uma condenação a esta incoerência, pois como é possível pensar em salvar o ovo de uma tartaruga e não dar atenção ao assassinato de crianças por meio do aborto? É possível falar de proteção aos animais em extinção se, entretanto, abandona-se os idosos e os pobres?

É evidente a incoerência de quem luta contra o tráfico de animais em risco de extinção, mas fica completamente indiferente perante o tráfico de pessoas, desinteressasse dos pobres ou procura destruir outro ser humano de que não gosta. (...) também não é compatível a defesa da natureza com a justificação do aborto. Não parece viável um percurso educativo para acolher os seres frágeis que nos rodeiam e que, às vezes, são molestos e inoportunos, quando não se dá proteção a um embrião humano, ainda que a sua chegada seja causa de incómodos e dificuldades. (Laudato Si, n. 120)

Voltemos a um ponto chave da carta.

O Papa dá-nos algumas razões para proteger a nossa casa comum. A primeira reside no valor intrínseco da criação, pois como já afirmou-se acima, cada criatura foi querida por Deus e possui um valor particular diante dele, rendendo-Lhe glória e O louvando (Sl 148, 3-5), nelas encontramos uma «mensagem para nos transmitir». Outra razão é a de que nestas mesmas criaturas podemos encontrar o reflexo do criador, pois ‘desde a criação do mundo, as perfeições invisíveis de Deus, tais como o seu poder eterno e a sua divindade, podem ser contempladas, através da inteligência, nas obras que Ele realizou’ (Rm 1, 20).


Na criação, Deus pôs uma «ordem e um dinamismo que o ser humano não tem o direito de ignorar», afetando com suas ações desordenadas este mesmo ajuste, mas deve contribuir com o poder criador de Deus para desenvolver o «universo de potencialidades» inseridas por Ele na natureza. Acrescenta-se a isso o fato histórico da encarnação do Verbo que tomou parte da criação, fazendo-se homem, elevando em dignidade não somente o ser humano, mas toda a criação.
Nota-se que por vezes o Senhor nos interpelou ao afirmar que nenhum pássaro ‘passa despercebido diante de Deus (Lc 12, 6) ou que as aves são alimentadas pelo Pai celeste (Mt 6, 26), para fazer-nos sentir a providência, mas com isso aprendemos também o quanto a criação é querida e cuidada por Deus. Nos questiona o Papa se ouvindo isto alguém «será capaz de maltratar ou causar-lhes dano»?!?.
No entanto, o centro de toda a argumentação a favor da preservação ambiental é a justiça pelo bem comum, assentada na opção preferencial pelos pobres. Toda intervenção do homem na natureza que provoque danos sociais, e certamente ocorrerá, incidirá sobre o mais desfavorecido.
A poluição do ar, por exemplo, produz «vasta gama de efeitos sobre a saúde, particularmente dos mais pobres, e provocam milhões de mortes prematuras»; a elevação do nível do mar e dos oceanos fazem com que os moradores tenham de mudar-se, os mais pobres deles não terão para onde ir; a contaminação da água somada a falta de saneamento causa doenças como a diarreia e a cólera, levando à óbito um gigantesco número de crianças; a destruição de florestas com seus ecossistemas ou a poluição de rios resulta na falta de alimento na mesa dos mais miseráveis que somente possuíam tais maneiras de sustentos.
Poderia alguém após esta explicação afirmar ainda que o cuidado do meio ambiente não tem importância ou que a referida encíclica é sem valor ou desprovida de senso de proporções, como alguns dizem?
O cenário atual é o do mundo com seus recursos explorados cada vez com mais veemência, onde a população e o consumo aumenta e a quantidade de alimento reduz. Diante deste quadro não podemos cair no erro de querer reduzir a população mundial, com uma «redução da natalidade», através do que estão chamando de «saúde reprodutiva» como forma de anestesiar a consciência das pessoas que fazem uso do aborto e métodos contraceptivos.

Culpar o incremento demográfico em vez do consumismo exacerbado e seletivo de alguns é uma forma de não enfrentar os problemas. Pretende-se, assim, legitimar o modelo distributivo atual, no qual uma minoria se julga com o direito de consumir numa proporção que seria impossível generalizar, porque o planeta não poderia sequer conter os resíduos de tal consumo. (Laudato Si, n. 50)

Não podemos deixar que «alguns se considerem mais dignos do que outros», que se sintam mais humanos que outros»! Não é possível que a uns sejam dados banquetes e a outros as migalhas que caem da mesa, pois todos, como filhos de Deus, são chamados a participar da mesa ofertada pelo Pai celestial. Os pobres são verdadeiramente consumidos, usados pelos poderosos, são eles os alimentos de suas mesas.


Penso que com tudo isso compreende-se a carta de forma correta e integral. No entanto, sem querer nem poder extrair todo o ensinamento contido nela, destacarei mais um ponto relevante.
É notável o que o Papa diz sobre a assistência aos pobres, enquanto alguns defendem o assistencialismo, ele afirma que «ajudar os pobres com o dinheiro deve ser sempre um remédio provisório para enfrentar emergências. O verdadeiro objetivo deveria ser sempre consentir-lhes uma vida digna através do trabalho». Nisto retrucam os liberais e os socialistas.

Por um lado, critica «a diminuição dos postos de trabalho, que são substituídos por máquinas», acusando uma atitude de imediatismo, renunciando investir nas pessoas para «se obter maior receita imediata», ao que diz ser um «péssimo negócio para a sociedade», por outro, afirma que é «indispensável promover uma economia que favoreça a diversificação produtiva e a criatividade empresarial».

A atividade empresarial, que é uma nobre vocação orientada para produzir riqueza e melhorar o mundo para todos, pode ser uma maneira muito fecunda de promover a região onde instala os seus empreendimentos, sobretudo se pensa que a criação de postos de trabalho é parte imprescindível do seu serviço ao bem comum. (Laudato Si, 129)

A partir do crescimento do mercado poderemos diminuir a pobreza, mas não pode-se esquecer que o mercado por si mesmo não possui capacidade de realizar este objetivo, em suma, não deve ser absoluto. Há várias formas de mudar o cenário social e ambiental, passando desde a educação na infância até a uma conversão ecológica, como chama o Papa. Estas orientações foram enunciadas na encíclica, mas limito-me a ficar apenas com o que acima foi dito.
Portanto, sublinho mais uma vez que a estupenda riqueza contida na encíclica não deve ser deixada apenas tornada real por meio da tinta no papel. Espero poder converter-me também nesta matéria, e com esse texto queria contribuir para com a conversão dos demais.


Viver a vocação de guardiões da obra de Deus não é algo de opcional nem um aspecto secundário da experiência cristã, mas parte essencial duma existência virtuosa. (Laudato Si, 217)

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Para citar: MOTA, Gabriel Luan Paixão. A doutrina contida na Laudato Si. Publicado no blog Regozija-te com a verdade, aos 22 de junho de 2016.

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