OS DOCUMENTOS CONCILIARES SOBRE A
SAGRADA LITURGIA*
Dom Antonio de Castro Mayer
Carta Pastoral de 8 de dezembro de 1963
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Dom Antonio de Castro Mayer |
Juntamente com Nossa bênção
pastoral, muito afetuosa, apraz-Nos comunicar aos Nossos bondosos Padres e
amados filhos as determinações que o Soberano Pontífice se dignou tomar com
relação aos documentos por ele promulgados, e a orientação que julgamos necessária
para que esses documentos conciliares atinjam a finalidade visada pelos seus
autores: um revigoramento da vida católica de acordo com as necessidades de
nossos tempos.
Antes, porém, queremos agradecer-vos,
diletos filhos, as orações e boas obras com que vossa piedade Nos acompanhou e
aos demais Padres Conciliares, durante esses dois meses de intenso e laborioso
estudo dos esquemas que o Papa, na sua augusta sabedoria, houve por bem
submeter ao Concílio. Não Nos cansamos de repetir o que já frequentemente
ensinamos: os frutos do Concílio, embora sempre úteis à Santa Igreja, podem
variar na sua extensão e intensidade, e, portanto, contribuir mais, ou menos,
para a glória de Deus e a salvação das almas, segundo o grau de fervor das
orações e sacrifícios, com que os fiéis imploram as luzes e graças do Espírito
Paráclito sobre os Padres e os trabalhos conciliares. Bem hajam, pois, vossas
boas obras, caríssimos Cooperadores e amados filhos, que certamente concorreram
para o feliz êxito desta segunda fase da magna Assembleia.
Os documentos
promulgados
Como sabeis, caríssimos
Cooperadores e amados filhos, no dia 4 de dezembro deste ano de 1963, na
Basílica de São Pedro, transformada em Sala Conciliar, após o Santo Sacrifício
da Missa, celebrado pelo Eminentíssimo Cardeal Eugenio Tisserant, Decano do
Sacro Colégio, foram lidos e aprovados a Constituição "de Sacra
Liturgia" (Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium) e o Decreto "de instrumentis communicationis socialis", confeccionados, uma e outro, pelos Padres Conciliares, através
de longos debates. Tendo recebido a comunicação do resultado do escrutínio que
lhe fazia, ajoelhado ao trono, o Exmo. Secretário Geral do Concilio, Arcebispo
Péricles Felice - o Santo Padre, gloriosamente reinante, Paulo VI, dignou-se
promulgar os dois documentos.
Prudência
necessária
Quanto a Constituição sobre a
Sagrada Liturgia, no entanto, determinou Sua Santidade que ficasse vacante,
isto é, não fosse aplicada até o dia 16 de fevereiro de 1964, primeiro domingo
da Quaresma; determinou, outrossim, que ninguém a ousasse pôr em prática, antes
que a Santa Sé editasse a regulamentação oportuna.
De fato, embora a Igreja não
pretenda impor uma uniformidade rígida na Sagrada Liturgia (cf. Const. "de
Sacra Liturgia", n. º 37), não obstante não deseja que as variações sejam
tais e tantas, que destruam a unidade que deve existir numa bem ordenada
variedade, ou que se introduzam, no culto divino, formas exóticas ou
extravagantes.
Não somente isso. Também não quer a
Igreja que as inovações eventuais na Sagrada Liturgia sejam ou inteiramente
novas ou desnecessárias. Qualquer adaptação aos tempos, no culto divino, deve
emanar das formas antigas, como uma floração nova que, porém, procede da mesma
árvore. "As inovações - preceitua a Constituição "de Sacra
Liturgia" - não se introduzam a não ser que uma verdadeira e certa
necessidade da Igreja o exija; sejam feitas com precaução, a fim de que as
novas formas procedam, como que organicamente, das formas já existentes" (cf.
n. º 23).
Por outro lado, a Constituição
"de Sacra Liturgia" expõe apenas os princípios gerais, como que a
moldura dentro da qual há de enquadrar-se o revigoramento do culto público, com
uma participação mais consciente por parte dos fiéis. Não desce aos pormenores,
indispensáveis para uma ordenada ação prática. Em vários lugares, a
Constituição exprime tão somente um desejo geral; em outros, taxativamente,
subordina à aprovação da Santa Sé inovações que julga oportunas. Enfim, uma
nova edição dos livros litúrgicos - Missal, Breviário, Ritual - para ajustá-los
à nova Constituição litúrgica, é privativa da Santa Sé. Vê-se, portanto, que
era necessária quer a vacância da lei quer a regulamentação a emanar da Cúria
Romana. Aguardemos, confiantes, as instruções que Roma nos enviará, para
depois procedermos, ordenada e frutuosamente, à prática dos princípios
enunciados na Constituição sobre a Sagrada Liturgia.
Documentos
disciplinares
No entanto, desde já podemos
transmitir aos Nossos caríssimos Cooperadores e amados filhos, uma norma de
melhor entendimento, e consequente adequada aplicação, quer da Constituição
"de Sacra Liturgia", quer do Decreto "de instrumentis
communicationis socialis".
Pois uma outra observação fez o
Santo Padre, e essa antes mesmo da sessão pública, numa das últimas
congregações gerais do Concílio. Por ela, cientificou o Sumo Pontífice, a todos
os Padres Conciliares e à Igreja inteira, que os documentos a serem por ele
promulgados nesta segunda fase do Concílio seriam somente disciplinares, isto
é, não conteriam nenhuma definição ou inovação doutrinária. O que quer dizer
que os dois documentos, o relativo à Sagrada Liturgia e o referente aos meios
de comunicação social devem ser entendidos à luz da doutrina tradicional da
Igreja, exposta frequentemente em documentos do Magistério ordinário.
Semelhante advertência do Santo
Padre não deve ser tomada como um ato de rotina, com o fim de precisar melhor o
valor dos documentos que ele iria promulgar. Ela se explica dentro do ambiente
criado, nos últimos tempos, por ocasião da renovação litúrgica e do
aparecimento de novas formas de apostolado. Como sabeis, caríssimos
Cooperadores e amados filhos, por obra especialmente de Dom Prósper Guéranger,
ilustre Abade beneditino de Solesmes, a piedade litúrgica, desde meados do
século passado, tomou novo e vigoroso impulso, com grande afervoramento
espiritual dos fiéis. Infelizmente, nos últimos anos a avidez de coisas novas
deu aso a que, no movimento de renovação litúrgica, surgissem certos desvios do
reto caminho da sã doutrina e da prudência. "Pois que - diz Pio XII - com
intenção e desejo de renovação litúrgica, alguns introduzem, com frequência,
princípios que, ou em teoria ou na prática, comprometem esta causa santíssima,
e, muitas vezes, também a contaminam de erros que atingem a fé e a doutrina
ascética" (Encíclica "Mediator Dei" - "Discorsi e
Radiomessaggi", IX, p. 497),
As novas formas de apostolado,
indispensáveis nos tempos atuais, foram também elas, infelizmente, ocasião para
o "homo inimicus" introduzir um relaxamento na moral tradicional, com
grande prejuízo para a santificação das almas.
Nós já tratamos, tanto dos desvios
ocorridos no movimento litúrgico, como dos desmandos havidos em certos meios a
pretexto de ação católica, em Nossa Carta Pastoral "sobre problemas do
apostolado moderno", de 6 de janeiro de 1953. Não obstante, com o fim de
evitar que, entre Nossas ovelhas, possa infeccionar-se a causa santíssima da
renovação litúrgica, intencionada pelo Concílio Ecumênico Vaticano II, ou
possam sorrateiramente se esgueirar os desvios da "moral nova",
julgamos oportuno recordar brevemente os ensinamentos tradicionais da Igreja,
propostos pelo Magistério ordinário, sobre os assuntos que foram objeto dos
pronunciamentos conciliares.
Tal medida se evidencia, aliás,
necessária, porque tanto a Constituição sobre a Sagrada Liturgia como o Decreto
sobre os meios de comunicação social, enquanto disciplinares, devem ser
entendidos e executados segundo esses ensinamentos dogmáticos, ascéticos e
morais que, como alma, vivificarão e farão frutificar para a santidade aqueles
atos do Concílio, há pouco promulgados.
• • •
A
"MEDIATOR DEI" E A NOVA CONSTITUIÇÃO LITÚRGICA
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Cardeal Eugenio Pacelli, Papa Pio XII |
Nessa Encíclica, expôs Pio XII os
princípios dogmáticos, morais e ascéticos implicados na Sagrada Liturgia, de
maneira a evitar que a pureza da fé e da moral viesse a periclitar num movimento
cuja característica deve ser a conformidade com a sapientíssima doutrina da
Igreja (cf. Enc. "Mediator Dei" - DR IX, p. 497).
A Importância
do culto interior
"A Sagrada liturgia é o culto
público que nosso Redentor, como Cabeça da Igreja, rende ao Pai Celeste, e é o
culto que a sociedade dos fiéis rende à sua Cabeça, e, por meio dela, ao Padre
Eterno; é, para dizer em uma palavra, o culto integral do Corpo Místico de
Jesus Cristo, isto é, da Cabeça e de seus membros" (Enc. "Mediator
Dei" - DR IX, p. 502),
Esse culto público e social não
dispensa o culto particular de cada um individualmente, pois que "o dever
de culto obriga singularmente os homens" (Enc. "Mediator Dei" -
DR IX, n. º 499). Há mesmo relação íntima entre o culto particular, de cada um
no íntimo do coração, e o culto público prestado a Deus por toda a Igreja, como
sociedade. O culto público, com efeito, é formado de palavras acompanhadas de ritos,
porque, como ação de uma sociedade, deve ter manifestações externas que
exprimam os vínculos sociais, e, como culto divino, pede ações simbólicas, que
são os ritos sagrados (cf. Enc. "Mediator Dei" - DR IX, pp. 503-504)
É preciso, porém, que os atos
externos estejam intimamente inculcados com os sentimentos internos da alma,
que lhes dão calor, vida e valor. Aliás, as práticas litúrgicas se
transformariam num "ritualismo vazio" (Enc. "Mediator Dei"
- DR IX, p. 551), num "formalismo sem fundamento nem conteúdo"
(ibid., p. 504), "incapaz de honrar dignamente a Deus'' (ibid., p. 505).
Por isso, o Divino Mestre "expulsa como indignos do sagrado templo,
aqueles que pensam honrar a Deus tão somente com o som de palavras bem
construídas e com atitudes teatrais, e que estão persuadidos de que podem muito
bem cuidar da salvação eterna sem desarraigar da alma os vícios inveterados
(cf. Mac. 7, 6; Is. 29, 13) " (Enc. "Mediator Dei" - DR IX, p.
504).
De onde se conclui que "o
elemento principal do culto divino é o interior" (Enc. "Mediator
Dei" - DR IX, p. 504), é nossa união com Jesus Cristo, que havemos de
procurar, com todas as veras, com súplicas ardentes, e com a mortificação de
nossa vontade e de nossas paixões desordenadas. Assim, por Jesus Cristo e em
Jesus Cristo, daremos glória ao Padre Eterno (cf. Enc. "Mediator Dei'' -
DR IX, p. 504).
Relação entre
o culto externo e a santificação individual
Entre o culto divino litúrgico,
social, e a santificação pessoal, com que, secundados pela graça, procuramos
assemelhar-nos a Jesus Cristo, convém salientar a seguinte mútua reciprocidade:
A.
Nossa santificação é impossível sem a graça, e
esta depende da Sagrada Liturgia, da Santa Missa e dos Sacramentos, que gozam
de uma eficácia intrínseca, independente do indivíduo, em virtude dos
merecimentos e da ação do próprio Jesus Cristo, porquanto, quer na Santa Missa,
quer nos Sacramentos, Jesus Cristo é quem opera, mediante a ação de seus
ministros. Analogicamente, podemos argumentar com relação aos Sacramentais,
cuja eficácia procede da oração da Igreja, casta Esposa de Jesus Cristo, sempre
ouvida pelo seu Bem-Amado. Sem a Sagrada Liturgia é impossível, portanto, qualquer
santificação. Ainda mesmo quando, extraordinariamente, é a graça santificante
conferida sem a recepção dos Sacramentos, isso não se dá sem uma ordenação aos
mesmos, o que chamamos de voto, ao menos, implícito, de recebê-los, pois
somente à Santa Igreja Católica confiou Jesus Cristo os meios de justificação e
santificação.
B.
Não obstante a parte individual de cada fiel, a
"piedade subjetiva", assim chamada, é indispensável para que a
Sagrada Liturgia obtenha toda a eficácia no seu duplo fim, quer enquanto se
destina à glória de Deus, quer enquanto se orienta para a santificação dos
homens. Embora a Sagrada Liturgia sempre glorifique a Deus, como ação que é de
toda a Igreja e de sua Cabeça, sempre santa, santíssima, sem embargo, nesta
glória tributada a Deus há uma parte que varia, segundo a maior ou menor
santidade dos membros da Igreja. E a Encíclica "Mediator Dei" nos
assegura que honrar dignamente a Deus é impossível a alma que não se dedica à
busca da própria perfeição (cf. DR IX, p. 505).
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Fons omnis sanctitatis |
C.
Há, pois, uma dependência mútua entre a Sagrada
Liturgia e a piedade individual. Ninguém, com efeito, participará dos atos
litúrgicos com fruto, se primeiro não cuidar de sua própria santificação.
Quanto mais e melhor se santificar, ajudando-se dos exercícios de piedade
particular, da meditação, do exame de consciência, da mortificação, da oração
contínua, de todos os meios, enfim, que levam a alma a purificar-se dos efeitos
morais e dos próprios pecados, tanto mais estará o fiel apto para participar
frutuosamente dos ritos sagrados. Primeiro, enquanto a Liturgia se dirige à
glória de Deus. Eis a razão que guiava a pena do grande teólogo, Padre Maurício
de la Taille, quando escrevia que à Igreja interessa ter no seu grêmio muitos
santos e muitos santos, a fim de que mais altos e mais válidos cheguem seus
clamores junto no trono de Deus (cf. "Mysterium Fidei", 3. ª ed., pp.
330-331). Em segundo lugar, para que possam os fiéis tirar grande proveito da
sua participação nos atos litúrgicos.
A Encíclica "Mediator
Dei" resume este ponto importantíssimo - que jamais recomendaremos
suficientemente aos Nossos amados filhos - com estas palavras: "Deste
modo, a ação particular e o esforço ascético, orientado no sentido de purificar
a alma, estimulam as energias dos fiéis, e os tornam aptos a participar, com
melhores disposições, do augusto Sacrifício do Altar, a receber os Sacramentos
com maior fruto, e a celebrar os ritos sagrados de maneira que deles tirem
frutos que os animem e formem na oração, na abnegação cristã, na cooperação
ativa com as inspirações e convites da graça, na imitação, cada dia mais
perfeita, das virtudes do Divino Redentor, com vantagem própria e de toda a
Igreja, uma vez que no Corpo Místico de Cristo, todo o bem promana da Cabeça e
beneficia todo o Corpo" (Enc. "Mediator Dei" - DR. IX, pp. 508-509).
Necessidade da
própria santificação
E tão fundamental este ponto da
economia da graça, que, embora disciplinar, a Constituição "de Sacra
Liturgia", o lembra em vários dos seus parágrafos. Assim, ao insistir
sobre a necessidade da penitência e das disposições da alma para receber os
Sacramentos, para participar dos sagrados ritos (n. º 09 e 11), ao recomendar a
oração particular, a mortificação cristã, ao lembrar a necessidade de os fiéis
se oferecerem como vítimas que se imolam a si mesmas e se consumam em Jesus Cristo
(n. º 12 e 48), e em outros lugares.
Permiti-Nos, filhos diletos de
Nossa alma, que insistamos sobre a imprescindível necessidade de nos
santificarmos, empregando os meios tradicionais em uso na Santa Igreja, que
santificaram os Santos nossos modelos: a meditação, o exame de consciência, a
obediência, a castidade, a mortificação da vontade e dos sentidos, a prática,
enfim, das virtudes cristãs de que nos deu divino exemplo Nosso Senhor Jesus
Cristo, e sobretudo a oração humilde, confiante e contínua. Sem nos
santificarmos, sem um sincero esforço no sentido de reproduzirmos em nós a
imagem de Jesus Cristo é impossível agradarmos a Deus: toda e qualquer
participação nos atos litúrgicos se torna, ao menos, inútil e ineficaz.
Sacerdócio dos
Padres e sacerdócio dos fiéis
A Sagrada Liturgia vem a ser o
exercício do sacerdócio de Jesus Cristo, que, por ela, permanece atual na
sucessão dos tempos (Enc. "Mediator Dei" - DR IX, p. 502). De maneira
que só podem participar dos atos litúrgicos os que têm uma participação no
sacerdócio de Jesus Cristo. É através desse divino sacerdócio que se elevam a
Deus nossa adoração e súplicas, e por meio dele que descem do Céu sobre a terra
as graças e bênçãos divinas (1).
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O Cristo sacerdote realiza o sacramento por meio do sacerdócio ministerial |
"Só aos Apóstolos e àqueles
que, depois deles, receberam dos seus sucessores a imposição das mãos, é conferido
o poder sacerdotal, em virtude do qual, como representam, diante do povo que
lhes é confiado, a pessoa de Jesus Cristo, assim representam o povo diante de
Deus (ibid., p. 510). Mais. O Sacerdote representa propriamente a Jesus Cristo,
e, como Jesus Cristo é a Cabeça do Corpo Místico, através a representação de
Jesus Cristo o Sacerdote representa também o povo fiel diante de Deus. Não há,
portanto, na Igreja, nenhuma delegação por parte do povo, em virtude da qual
seriam constituídos os Sacerdotes da Nova Lei (cf. Enc. "Mediator
Dei" - ibid., p. 510). Os Sacerdotes são constituídos por vocação divina,
e jamais por delegação do povo fiel e é tão somente mediante a sagrada
ordenação que "são eles introduzidos no augusto ministério que os destina
ao altar sagrado e os constitui instrumentos divinos, por cujo meio participam
os fiéis da vida sobrenatural do Corpo Místico de Cristo" (ibid., p. 511).
Esta singular e privativa
participação no sacerdócio de Jesus Cristo, exclusiva dos Padres validamente
ordenados, não impede que os fiéis tenham, eles também, certa participação no
divino sacerdócio. Como o caráter da Ordem aos Padres, assim o caráter do
Batismo confere ao simples fiel uma assimilação ao sacerdócio de Cristo, de
natureza, porém especificamente diversa. Pio XII explana esta diversidade com a
distância que separa o pagão do batizado (cf. Enc. "Mediator Dei" -
DR IX, p. 511). Isto é, a separação que há, na Igreja, entre o simples fiel e o
Padre não é menor do que a que distância entre o gentio, que não pertence ao
corpo Místico de Cristo, do batizado incorporado ao Divino Redentor, e elevado
à ordem sobrenatural. A diferença, pois, que há entre o simples fiel e o Padre
não é apenas de mais ou de menos, mas sim de natureza específica. O Sacramento
da Ordem cria no Padre, mediante o caráter que nele imprime, um princípio de
operações sobrenaturais novas, para as quais o simples fiel é totalmente
incapaz.
Não quer dizer que o caráter do
Batismo não dê ao simples fiel o direito de participar, mesmo ativamente, nos
atos litúrgicos. Porém, a seu modo, como observa a Constituição "de Sacra
Liturgia" (n. º 26). A Encíclica "Mediator Dei" esclarece este
assunto, ao tratar da maneira como os simples fiéis podem e devem, eles também,
participar do Santo Sacrifício da Missa. Eis suas palavras: "A imolação
incruenta, por cujo meio, depois de pronunciados as palavras da consagração,
Jesus Cristo está presente como Vítima sobre o altar, esta imolação é realizada
só pelo Padre, enquanto opera no lugar de Jesus Cristo, e não enquanto
representa o povo fiel (Enc. "Mediator Dei - DR IX, pp. 525-526). Em
outras palavras, o sacrifício propriamente dito, que consiste na consagração, é
ato exclusivo do Padre, e nele o povo fiel não tem parte. As palavras de Pio
XII são claras: é ação só do Sacerdote, enquanto representa a pessoa de Jesus
Cristo e NÃO enquanto representa a pessoa dos fiéis.
"Colocando, no entanto, sobre
o altar a Vítima divina, o Sacerdote A apresenta a Deus Padre, como oblação em
louvor de glória à Santíssima Trindade e em benefício de todas as almas. E
propriamente nesta oblação que os fiéis participam do modo que lhes é
concedido, e por um motivo duplo: porque eles oferecem o Sacrifício não somente
pelas mãos do Sacerdote, mas, em certo modo, também juntamente com ele, e, com
esta participação, também a oblação feita pelo povo se relaciona com o culto
litúrgico" (Enc. "Mediator Dei" - DR IX, pp. 525-526).
O que acima se diz, relativamente
ao Santo Sacrifício da Missa, aplica-se, observadas as proporções, outrossim
aos Santos Sacramentos, realizados, eles também, por representantes da pessoa
de Jesus Cristo. Tratando-se de Sacramentais, há mister designação da Santa Igreja,
pois que os Sacramentais são por Ele instituídos e em nome dEla executados (cf.
Enc. "Mediator Dei" - DR IX, p. 505).
Fixemos, portanto, caríssimos
Cooperadores e amados filhos, que para a participação dos fiéis nos atos
litúrgicos exige-se, SEMPRE, QUE SE UNAM AO SACERDOTE ou AO MINISTRO DOS
SACRAMENTOS, de maneira que o culto público da Igreja se faz sempre através do
representante de Jesus Cristo ou, no caso dos Sacramentais, do representante da
Santa Igreja, e jamais por um delegado do povo fiel.
Estes princípios dão o verdadeiro
sentido das expressões da Constituição "de Sacra Liturgia", quando no
seu n. º 48 declara que os fiéis oferecem com o Sacerdote a Hóstia imaculada, e
quando no n. º 29 afirma que todos os que tomam parte nos atos litúrgicos,
mesmo os leitores, comentadores e cantores, exercem um ministério litúrgico.
Maneira de
participar frutuosamente dos atos litúrgicos
Do exposto, se deduz que a frutuosa
participação nos atos litúrgicos exige do fiel que se empenhe por assimilar
intimamente os sentimentos do Sumo Sacerdote, Jesus Cristo, segundo a expressão
do Apóstolo: "Tende vós os mesmos sentimentos de Jesus Cristo" (Fil.
2, 5), porquanto é com Jesus Cristo e por Jesus Cristo que o fiel toma parte na
Sagrada Liturgia (cf. Enc. "Mediator Dei" - DR IX, p. 523). Mais.
"Para que a oblação com a qual no Santo Sacrifício os fiéis oferecem a
Vítima divina ao Pai Celeste, tenha seu efeito pleno, é necessário ainda uma
coisa: que eles, os fiéis, se imolem a si mesmos como vítimas''. São admoestações
insistentes dos Príncipes dos Apóstolos. São Pedro, na sua primeira Carta (2,
5), ensina que, "como pedras vivas edificadas em Jesus Cristo, devemos
oferecer vítimas espirituais agradáveis a Deus, por Jesus Cristo", e São
Paulo, na Epístola aos Romanos (12, 1), nos conjura ofereçamos nossos corpos
como vítimas vivas, santas, agradáveis a Deus, como um culto racional (cf.
"Mediator Dei" - DR IX, p. 527). As mesmas exortações repete a Santa
Igreja, através da própria Liturgia, no decurso do ano, especialmente nos
tempos do Advento e da Quaresma.
Com fundamento em semelhante
princípio, estabelece a Santa Igreja a norma de que a frutuosa participação dos
fiéis nos divinos mistérios não pode ser a mesma para todos, mas há de ser
aquela que, no momento, melhor obtenha a participação substancial, isto é, que
melhor desperte os sentimentos de que está animado o Sumo Sacerdote, quando se
realizam os Mistérios do alto. Preceitua, com efeito, a Encíclica
"Mediator Dei: "Embora várias possam ser as formas e as circunstancias
da participação do povo no Sacrifício Eucarístico e nas outras ações
litúrgicas, deve-se procurar, com todo o cuidado, que as almas dos presentes se
unam ao Divino Redentor com os vínculos mais estreitos possíveis, e que suas próprias
vidas se enriqueçam de uma santidade sempre maior, e cresça assim
quotidianamente a glória do Pai Celeste" (Enc. "Mediator Dei" -
DR IX, p. 531). Pelo mesmo motivo, a Constituição conciliar "de Sacra
Liturgia" quer que haja também silêncio nos atos de culto público com
participação dos fiéis (n. º 30).
Práticas
piedosos não litúrgica
A Constituição conciliar "de
Sacra Liturgia" declara: "Desde que se conformem com as leis e normas
da Santa Igreja, recomendam-se muito os exercícios piedosos do povo cristão,
especialmente quando realizados por ordem da Santa Sé (n. º 13).
A Encíclica "Mediator
Dei" é ainda mais explicita: "Há, além dos atos de culto público,
outros exercícios de piedade que, embora não pertençam rigorosamente à Sagrada
Liturgia, revestem-se, não obstante, de particular dignidade, importância, de
maneira a serem considerados como insertos, de algum modo, na ordenação litúrgica,
e gozam de repetidas aprovações e louvores desta Sé Apostólica e dos Bispos.
Entre esses, devem-se contar as orações costumeiras durante o mês de maio, em
homenagem à Virgem Santíssima Mãe de Deus, ou durante o mês de junho, em
homenagem ao Sacratíssimo Coração de Jesus, os tríduos, as novenas, a Via
Sacra, e outros semelhantes" (Enc. "Mediator Dei" DR IX, p.
553). Podemos recomendar, outrossim, de modo particular, a recitação quotidiana
do Santo Rosário, tantos são os encômios que esta devoção recebeu da Santa Sé,
tão copiosas graças alcançou de Deus, como testemunham a história da Igreja e a
hagiografia cristã.
A Encíclica "Mediator
Dei" salienta ainda a grande eficácia desses exercícios na santificação
dos fiéis, pois que os aproximam dos Santos Sacramentos da Confissão e da
Comunhão, e os habituam à meditação dos mistérios da nossa Redenção e à
imitação dos Santos (ibid., p. 553).
Eles, além disso, contribuíram para
um feliz desenvolvimento da Sagrada Liturgia (ibid., p. 514), e ainda hoje,
especialmente os eucarísticos, preparam os fiéis a uma participação condigna e
frutuosa dos atos litúrgicos (ibid., p. 538).
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Divindade escondida sob o véu sacramental |
Novos exercícios, no entanto, não
se introduzam, sem licença da Autoridade Eclesiástica que cuidará sejam eles
sempre conformes às normas da Santa Igreja (cf. Enc. "Mediator Dei" -
DR IX, p. 553; Const. "de Sacra Liturgia", n. º 13).
Ano litúrgico
e santificação dos fiéis
O Ano litúrgico rememora, e como
que torna presente o Divino Redentor, mediante a contemplação dos seus sagrados
mistérios.
Pelo vínculo indissolúvel que A une
ao seu Divino Filho, tem Maria Santíssima lugar especial e excelente no Ano
litúrgico, no qual são também comemorados os Santos, cujas imagens devem ser
veneradas nas igrejas, e cuja lembrança nos excita à prática das virtudes
cristãs e à imitação de Nosso Senhor Jesus Cristo.
São normas que se leem na
Constituição conciliar sobre a Sagrada Liturgia (cap. V, n. º 125).
A Encíclica "Mediator
Dei" salienta a finalidade ascética do Ano litúrgico. "Durante o
curso inteiro do ano - assim se exprime - a celebração do Sacrifício eucarístico
e o Ofício divino se desenvolvem em torno, especialmente, da pessoa de Jesus
Cristo, e se entrosam, côngrua e logicamente, de maneira que aparece,
dominando, nosso Salvador nos seus mistérios de humilhação, de redenção e de
triunfo.
"Evocando estes mistérios de
Jesus Cristo, a Sagrada Liturgia tem em vista levar todos os fiéis a deles
participar de tal sorte, que a divina Cabeça do Corpo Místico viva, na plenitude
de sua santidade, em cada um de seus membros. Sejam as almas cristãs como
altares, sobre os quais se repitam e revivam as várias fases do Sacrifício que
imolou o Sumo Sacerdote: isto é, as dores e as lágrimas que lavam expiam os
pecados, a oração a Deus que se eleva até o Céu; a própria Imolação, feita com
espirito pronto, generoso e solicito, e enfim, a união intima com que nos
abandonamos a Deus, nós e o que é nosso, e nEle repousamos, "SENDO A
QUINTA-ESSÊNCIA DA RELIGIÃO IMITAR A QUEM SE ADORA" (S. Agostinho,
"De Civ. Dei", 1. 8, c. 17)" (Enc. "Mediator Dei" - DR
IX, pp. 554-555),
Pio XII desce, depois, ao
particular, com uma edificante consideração a propósito de cada uma das partes
do Ano litúrgico. A aproximação do Santo Natal Nos leva a lembrar as palavras
com que o Papa comenta este tempo: "Na ocorrência do Natal do Redentor, o
Ano litúrgico como que nos reconduz à gruta de Belém, para que aí aprendamos
que é absolutamente necessário nascer de novo e nos reformarmos radicalmente:
coisa possível somente quando nos unimos, íntima e vitalmente, ao Verbo de Deus
feito homem, e nos tornamos participantes de sua natureza divina, à qual fomos
elevados" (ibid., p. 545).
Santificação
do Domingo
No Ano litúrgico, goza de
importância especial a semana de sete dias, revelada já nos primórdios da
Criação, e da qual a Igreja não está disposta a abrir mão, quaisquer que sejam
as inovações possíveis na feitura de um novo calendário universal fixo (cf. Const.
"de Sacra Liturgia", apêndice, n. º 2). E, na semana, há o dia santo
por excelência, o Dia do Senhor, o Domingo.
Uma das maiores angústias, que Nos
afligem a alma, é ver menosprezada a santificação do Domingo. Quantas obras não
foram edificadas com a argamassa desse pecado? E quando não trabalham, quantos
cristãos não dissipam o Dia do Senhor em divertimentos que se louvam, quando
não vão além do profano?! Terríveis castigos reservou Deus Nosso Senhor aos
que, no seio de seu povo, violavam o seu dia. Não julguemos que menor será
conosco a sua indignação.
Queiram Nossos Padres se empenhar
numa verdadeira campanha por levar os fiéis ao santo temor de Deus,
manifestado, particularmente, na cuidadosa santificação do Domingo, com
assistência não só à Missa, como a outros exercícios piedosos que se realizam
nas nossas igrejas, e com outros atos religiosos e de apostolado. Voltem a
atenção, de modo particular, para as capelas rurais, desprovidas de assistência
habitual de Sacerdote, com o fim de organizar nelas, ajudando-se de pessoas
leigas piedosas e capazes, atos de piedade coletivos, aos domingos em que não
haja, nessas capelas, a Santa Missa.
Com a Encíclica "Mediator
Dei", fazemos nosso o apelo de Pio XII: "Seja inviolável a
observância dos dias santos, que devem ser dedicados e consagrados a Deus de
modo especial; sobretudo, seja observado o Domingo, que os Apóstolos,
instruídos pelo Espírito Santo, substituíram ao sábado. Se aos judeus foi
ordenado: "TRABALHAREIS DURANTE SEIS DIAS: NO SÉTIMO DIA É SÁBADO, REPOUSO
CONSAGRADO AO SENHOR; QUEM TRABALHAR NESSE DIA SERÁ CONDENADO À MORTE" (Ex
31, 15), como não temerão a morte espiritual aqueles cristãos que fazem obras
servis nos dias santos, e, durante o repouso sagrado, não se dedicam à piedade
e à religião, mas se entregam desbragadamente aos atrativos do mundo?"
(Enc. "Mediator Dei" - DR IX, pp. 543-544).
Com prazer, consignamos aqui a
atenção votada aos sentimentos católicos da população pelo Sr. Prefeito e pela
Câmara Municipal de Campos, bem como pelos governos de outros municípios da
Diocese, que decretaram feriados os dias santos, facilitando assim aos fiéis o
cumprimento da santificação desses dias consagrados a Deus Nosso Senhor. Oxalá
os demais municípios da Diocese sigam tais exemplos! Dos católicos esperamos
que saibam utilizar-se de semelhantes dispositivos legais, para o cumprimento
fiel de seus sagrados deveres.
Arte e
Liturgia
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A Igreja evangeliza através da beleza da liturgia |
As normas da Encíclica
"Mediator Dei", extraídas de São Pio X, esclarecem o alcance dessa
proposição: "Em todas as coisas da Liturgia, devem resplandecer,
sobretudo, estes três adornos, de que fala Nosso Predecessor Pio X: a
santidade, que aborrece toda influencia profana; a nobreza das imagens e das
formas, à qual serve toda arte genuína e das melhores, a universalidade, enfim,
que, conservando os legítimos costumes e as legitimas tradições regionais,
exprime a unidade católica (cf. Carta Apostólica Motu proprio "Trale
sollecitudini", de 22 de novembro de 1903)" (Enc. "Mediator
Dei" - DR IX, p. 554) .
Queiram Nossos caríssimos
Cooperadores não se deixar conduzir pelo espírito extravagante e profano de
certa arte moderna, impróprio para a casa de Deus e as imagens sagradas. Por
isso mesmo, quer a Santa Igreja que não sejam construídas novas ou reformadas
antigas igrejas ou capelas, sem aprovação prévia das respectivas plantas por
parte da Autoridade Diocesana, à qual também compete tomar conhecimento das
imagens que se introduzem nos templos. Recomendamos aos Nossos zelosos Padres o
conselho que dava São Pio X àqueles a quem incumbiu de dotar Roma de novas
igrejas: temos muita coisa bela e digna; não vamos atrás de novidades e
extravagâncias (cf. Servo de Deus Cardeal Merry del Val, "Memórias de S.
Pio X").
• • •
Demoramo-nos, caríssimos
Cooperadores e amados filhos, nestas considerações, porque as julgamos de suma
importância para vossa santificação, que é Nosso maior empenho, pois que de
vós, de vossas almas, daremos contas ao severo Juiz.
Caríssimos filhos, cuidemos de
nossa santificação e da santificação de nosso próximo, e aproximemo-nos, com
simplicidade, dos ritos litúrgicos. Santos, teremos a mais perfeita
participação neles: daremos glória a Deus, e nos uniremos mais perfeitamente ao
Senhor de nossas almas, o Divino Salvador.
_________
Fonte: MAYER, Dom Antonio de Castro. Por um cristianismo autêntico. Campos dos Goytacazes: Editora Vera Cruz, 1971. (Transcrito por Gabriel Luan P. Mota)
* NOTA - As imagens não fazem parte do texto original e a parte do Decreto sobre a comunicação social foi omitida.
* NOTA - As imagens não fazem parte do texto original e a parte do Decreto sobre a comunicação social foi omitida.
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