LUTERO E A IGREJA CORROMPIDA
NO SÉCULO XVI?
A tradicional tese posta em xeque
Por Giacomo Martina
Durante
séculos inteiros, católicos e protestantes, de forma independente, vieram
repetindo que a chamada Reforma surgiu devido aos abusos e desordens tão
generalizadas, na época de então, na Igreja e, sobretudo, dentro da Cúria
Romana. Esta tese se tornou clássica, por assim dizer, na historiografia.
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Idade Média, séculos de luzes |
As
culpas da Igreja foram humildemente confessadas já desde os primeiros tempos de
Adriano VI em suas instruções ao núncio da Alemanha; diz Chieregati: "É
imposta a reforma da Cúria, da qual provavelmente derivam todos os males, para
que assim como dela surgiu a corrupção de todos os súditos, assim também dela
se difunda a saúde e a reforma de todos". Repetem as mesmas ideias os
autores do plano de reforma apresentado ao Papa Paulo III em 1537 e vários
padres do concílio de Trento, desde o cardeal Madruzzo em seu discurso de 22 de
janeiro de 1546 ("para nossos adversários, esta foi a primeira causa de
sua separação") ao cardeal Lorena em sua chegada a Trento na terceira
etapa do concílio, em 23 de novembro de 1562: "Por nossa culpa explodiu
esta tempestade".
Desde
então, esta tese foi repetida ad nauseum, no século XVII por Bossuet, em XIX
pelo historiados inglês Lord Acton ("a massa de cristãos queria melhorar
por meio da reforma ao nível do clero: lhes eram insuportável a administração
dos sacramentos por mãos sacrílegas, não podiam tolerar que suas filhas se
confessassem com sacerdotes incontinentes...") e ressurge hoje dentro do
atual clima ecumênico.
Leia também: Queimaremos a Bula de excomunhão de Lutero?
Mas já
desde o início do século esta concepção começou a ser severamente criticada:
Imbart de Tour, católico, observava em 1905 que também outras épocas existiram graves abusos sem que, por isso, se chegasse a um confronto com Roma. Em 1916,
o historiador protestante Georg von Below negava categoricamente que Lutero
fosse filho de um convento corrompido e se perguntava por que a Reforma não
surgiu na Itália, onde a situação moral e religiosa não era melhor do que a da
Alemanha.
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Em praça pública, Lutero queima o Corpus Iuris Canonici, símbolo da autoridade pontifícia, e a bula papal Exurge Domine, que condenava seus erros |
Mais
recentemente um valdense italiano, Miegge, levantava o problema de como uma
Igreja em plena decadência pudesse ter conseguido produzir um movimento tão
vital e poderoso. Poder-se-ia dizer que hoje católicos e protestantes estão de
comum acordo em rechaçar esta tese ou, seja com maior ou menor fundamento ou
rigor científico, corrigir ou apagar a tradicional imagem da cristandade
corrompida moralmente ou ainda em investigar nos protagonistas da Reforma,
baseando-se nos seus próprios testemunhos, quais foram os objetivos que propunham e
as motivações pelas quais eram influenciados. E a verdade é que numerosos
textos nos apresentam a ideia de que os reformadores não objetivavam arrancar
os males morais e melhorar a disciplina deteriorada, mas extirpar tudo o que
lhes pareciam superstição.
Para
isso se recorda como Guillaume Farel, guiando um grupo armado, assaltava as
igrejas e não para castigar a imoralidade dos párocos, mas para arrancar-lhes
das mãos a hóstia consagrada e, dessa forma, acabar com a fé na presença real.
São muitas as declarações de Lutero que parecem refutar a tese tradicional:
"Nossa vida é tão má como a dos papistas, mas nós não os condenamos por
sua vida prática. O problema é outro: é o de ensinar a verdade".
"Ainda que o Papa fosse santo como são Pedro, não deixaria de ser para nós
um ímpio".
Pode ser de interesse: Queimaremos a Bula de excomunhão de Lutero?
O
verdadeiro pecado dos sacerdotes é o de trair a verdade, declarava Lutero em
1512 quando, todavia, era católico. E em 1520, em seu opúsculo 'A nobreza
cristã da nação alemã', o reformador destaca que entre os abusos deve-se
corrigir a distinção entre sacerdote e laicato, o magistério supremo do
pontífice e seu direito de convocar concílios. "Não recrimino as
imoralidades e nem os abusos, mas a substância e a doutrina do papado".
A
relação entre Renascimento e a insurreição protestante segue sendo, todavia,
objeto de vivas discussões.
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Fonte: Giacomo Martina. História da Igreja de Lutero a nossos dias - Vol. I: O período da reforma. Edições Cristandad.
Fonte: Giacomo Martina. História da Igreja de Lutero a nossos dias - Vol. I: O período da reforma. Edições Cristandad.
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