quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Desejo de mudar: a explicação de Coccopalmerio esclarece a Amoris Laetitia?



DESEJO DE MUDAR
A EXPLICAÇÃO DE COCCOPALMERIO ESCLARECE A AMORIS LAETITIA?


O Cardeal Francesco Coccopalmerio publicou um livro no qual ele apresenta reflexões sobre o capítulo oito, sobre as uniões irregulares, da Exortação Apostólica Amoris Laetitia, polêmico documento de origem sinodal, a fim de interpretá-lo respeitando a doutrina católica. Mas será que o escrito do cardeal realmente põe fim às dúvidas levantadas sobre o confuso texto da exortação?

Pois bem. O que se segue é uma análise do que considero ser o núcleo da argumentação do livro, sem, porém, pretender encerrar a questão, mas tendo apenas como objetivo avaliar se o problema da exortação foi sanado.

Certamente há outros pontos interessantíssimos a serem analisados no texto do Cardeal Coccopalmerio, mas limito-me a discutir o que ele considera as duas condições essenciais para que os recasados civilmente possam se confessar e comungar. Diz ele que "poderia se admitir ao sacramento da Penitência e da Eucarística os fiéis que se encontram em união não legítima, mas que tenham duas condições essenciais: que desejem mudar de situação, mas não possam levar a cabo seu desejo."[1] Dessa forma, os dois critérios seriam (1) o desejo de mudar de situação e (2) uma impossibilidade de o fazer.

À primeira vista parece-nos que o argumento é razoável, porém contém problemas em ambas as premissas. Nessa altura quero novamente limitar mais uma vez o campo de debate, ao tratar apenas da primeira condição, ignorando a segunda (que deixo para outra oportunidade).

A questão a ser levantada e investigada é a seguinte: é suficiente o desejo de mudar de situação para que seja possível ascender ao Sacramento da Confissão? Isto é o que se propõe verificar, porque uma vez possível confessar-se validamente, é forçoso admitir o perdão dos pecados e a possibilidade da comunhão eucarística. Isto porque o Sacramento da Confissão é o meio pelo qual aqueles que, depois do batismo, estejam conscientes de haver cometido pecado grave devem passar para chegar ao Sacramento da Eucarística, ou melhor, à comunhão eucarística.

O que diz a doutrina católica sobre o assunto? O que é necessário para confessar-se? Diz que, entre outras coisas, é necessário possuir contrição com firme resolução de não mais pecar (Catecismo da Igreja Católica, 1451), remetendo ao Concílio de Trento, que assim diz na Sessão XIV:

"A contrição, que tem o primeiro lugar entre os mencionados atos do penitente, é uma dor da alma e detestação do pecado cometido, com propósito de não tornar a pecar (cum proposito non peccandi de cetero). Este movimento de contrição foi necessário em todo o tempo para se alcançar o perdão dos pecados."[2]


Dessa forma, fala-se em propósito, firme propósito para ser mais preciso, não de um desejo. Mas seria desejo o mesmo que propósito? Segundo Rocha Pombo, desejar, donde vem desejo, é "ter vontade de conseguir ou de gozar alguma coisa: é querer com mais gosto"[3] e propósito é "resolução tomada, firme determinação"[4], levando-nos a concluir que os termos não possuem o mesmo significado.

No entanto, é necessário ir além de qualquer comparação linguística. Convém saber se há a mesma distinção no ensino católico, por isso, transcrevo abaixo o que diz Santo Afonso Maria de Ligório, Bispo e Doutor da Igreja.

"Os santos desejos são asas que nos fazem voar da terra. Por um lado, Eles nos dão força; para caminhar na perfeição, por outro lado, eles nos aliviam os sofrimentos da caminhada. É um grande erro dizer como alguns dizem: Deus não quer que todos sejam santos. «Esta é a vontade de Deus, a vossa santificação». [Porém] Não basta só o desejo de ser santo, se não juntamos a ele uma firme resolução de alcançá-lo. Quantas pessoas se alimentam só de desejos e nunca dão um passo no caminho de Deus. Estes são os desejos de que fala a Bíblia: «Os desejos do preguiçoso o matam». O preguiçoso deseja sempre e nunca se decide a empregar os meios próprios de seu estado de vida para se tornar santo."[5]

Fica claro que os termos não se coincidem na significação. Por causa disso, diz Padre Paulo Ricardo que “não adianta querer vagamente amar a Deus, se não se faz o firme propósito, a «determinada determinación» de agradá-Lo [6], citando Santa Teresa de Jesus. Entre desejar, querer, intencionar, etc. e tomar firme propósito ou resolução há um abismo, não obstante o fato de que se requer o primeiro para a existência do segundo. Ao que ajunta o Padre Divino Antônio Lopes, FP, ao afirmar que “o firme propósito de não tornar a cair nos pecados não é simples intenção e mero desejo; mas sim, determinação enérgica de não mais pecar."[7]

Esse propósito deverá ser firme, eficaz (prático), universal, interior e soberano, segundo explicam respectivamente o Padre Bernardo, monge cisterciense, e o Monsenhor Eugene Cauly, vigário de Reims (França), abaixo.

"O propósito é a vontade firme de não mais pecar no futuro, e deve ser firme (isto é, o penitente deve ter a vontade sincera de não recair nunca mais no pecado, apesar das dificuldades), eficaz (isto é, o penitente deve não só ter a vontade de não pecar, mas também de usar os meios necessários para evitar a recaída no pecado, especialmente de evitar as ocasiões próximas de pecado) e universal (isto é, o propósito deve estender-se a todos os pecados cometidos, especialmente aos mortais. É suficiente que o propósito seja concebido de forma genérica: “não quero pecar mais”)." [8]

O firme propósito é a resolução bem decidida de não tornar a cair nos pecados que se tem cometido e que foram confessados com arrependimento. Não é, pois, simples intenção, mero desejo; mas sim, determinação enérgica de não mais pecar. Para ser sincero e verdadeiro, o firme propósito, como a contrição, deve ser: interior, isto é, no coração e na vontade e não unicamente nos lábios; universal, isto é, deve abranger todos os pecados mortais sem exceção, especialmente aqueles em que caímos mais facilmente; soberano, isto é, superior a todos os vínculos, até os partirmos, superior a todas as dificuldades até as vencermos corajosamente; e prático, isto é, ter sua aplicação circunstanciada e seus meios de execução; este último sinal será a pedra de toque e real prova da existência verdadeira do firme propósito.” [9]

Assim, o propósito não é apenas um mero desejo, mas inclui a vontade sincera e interior de não mais cair em nenhum pecado (principalmente mortal), de empregar os meios para tornar realidade esse desejo, e acima de qualquer coisa ou adversidade. Um recasado civilmente que tenha apenas o desejo de sair do estado de adultério, mas que não tome resolução de a isso cumprir (isto é, separar-se do seu conjugue ilegítimo ou abster-se das relações conjugais com ele, se o primeiro caso não é possível, como no caso do cuidado de filhos oriundos da nova união), não tem verdadeira contrição e, por isso, não pode confessar-se validamente, o que impossibilita a comunhão eucarística.


Resumindo isso, é interessante ler o que disse Dom Steven Lopes, bispo do Ordinariato Pessoal da Cátedra de São Pedro (ex-anglicanos dos Estados Unidos), em uma Carta Pastoral sobre a interpretação da Amoris Laetitia.

“Um casal que se casou novamente, se está comprometido em abstinência completa, pode ascender à Eucaristia, depois de um sério discernimento com seu pastor e recorrendo ao sacramento da Reconciliação. Este casal também pode experimentar o quão difícil é a continência, e às vezes pode cair, e em tais casos, eles, como todos os cristãos, devem arrepender-se, confessar seus pecados e começar de novo.
A Reconciliação exige o arrependimento, «a dor da alma e ódio pelo pecado cometido com o propósito de não voltar a pecar» (Catecismo da Igreja Católica, n. 1451). Um casal que se casou novamente no civil, firmemente decidido a uma castidade completa se compromete então em não mais pecar, o que é totalmente diferente do casal que se casou no civil e não tem uma firme vontade de viver castamente, mesmo que possam experimentar dor pelo fracasso de seu primeiro casamento. Em uma situação como esta, em que ou não reconhecem que sua falta de castidade é adultério ou não tem a firme resolução de evitar o pecado, é um pecado grave. Em ambos os casos, a disposição necessária para a reconciliação não existe, por isso eles receberão a Eucaristia em um estado de pecado grave. A menos e até que os recasados civilmente tentem abster-se totalmente das relações sexuais, a disciplina sacramental não permite que recebam a Eucaristia.” [10]

Portanto, fica demonstrado que o texto do Cardeal Coccopalmerio não encerra o debate. Por outro lado, é importante destacar que o seu texto é mais restritivo do que os oferecidos por outros prelados, como Kasper & CIA, porque ele explica que fora do caso em que há as duas condicionantes não é possível a confissão e a comunhão, como, por exemplo, no caso do fiel que "sabendo que está em pecado grave e podendo dele sair, não tiver nenhuma sincera intenção para levar a cabo tal propósito".

Para finalizar deixo para reflexão duas histórias, uma de um rapaz e outra de uma moça em confissão, que o Padre Luiz Chiavarino conta em seu livro «Confessai-vos bem».

Um tal confessava que tinha roubado uns feixes de lenha.
— Quantos? Perguntou o confessor.
— Padre, eu tirei cinco, mas o senhor pode calcular sete.
— Como! São cinco ou sete?
— Eu explico Padre. Dos sete feixes que encontrei tirei cinco, mas hoje à noite irei buscar os outros dois. Confesso-me antecipadamente; por isso o senhor pode calcular sete.
Uma moça que tinha acabado de se confessar, perguntou depois de receber a absolvição:
— Padre, posso comungar hoje?
— Pode sim, e não só hoje como amanhã e nos dias seguintes.
— Ah, amanhã já não poderei mais porque marquei um encontro no baile hoje á noite e não posso faltar.
— Você falou em baile? Mas você não acabou agora mesmo de prometer a Jesus que não O ofenderia mais e que evitaria as ocasiões?
— Padre, eu prometi para o passado e não para o futuro!
Eis aí. A maior parte das vezes promete-se para o passado, isto é, não se promete nada, e assim, a história se repete sempre: confissões e pecados, pecados e confissões. Mas, confessar-se sem se emendar é o caminho certo para a perdição.



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Notas
[1] – Cardeal Francesco Coccopalmerio, «El capítulo octavo de la exhortación apostólica post-sinodal “Amoris laetitia”» (2017), Librería Editrice Vaticana, em matéria publicada pelo Vatican Insider, disponível aqui. Tradução minha.
[2] – Concílio de Trento, Sessão XIV, disponível no Denzinger, 1676.
[3] – Rocha Pombo, «Dicionário de sinônimos da língua portuguêsa» (2011), Academia Brasileira de Letras, p. 174.
[4] – Ibdem.
[5] – Santo Afonso Maria de Ligório, «A prática de amor à Jesus Cristo», p. 37.
[6] – Padre Paulo Ricardo, «Como progredir na caridade?» (Direção espiritual), disponível aqui.
[7] – Padre Divino Antônio Lopes, FP, «Propósito de emenda» (Pensamentos), disponível aqui.
[8] – Padre Bernardo, «O Sacramento da Penitência e Reconciliação», disponível aqui
[9] – Monsenhor Eugene Cauly, «Curso de Instrução Religiosa» (1951), número 285, p. 359.
[10] – Dom Steven J. Lopes, Carta Pastoral «Uma fidelidade a toda prova», em matéria disponibilizada por Sandro Magister no Settimo Cielo, disponível aqui. Tradução minha.



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Para citar: MOTA, Gabriel Luan Paixão. Desejo de mudar: a explicação de Coccopalmerio esclarece a Amoris Laetitia?. Publicado no blog Regozija-te com a verdade, aos 15 de fevereiro de 2017.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

O fim da perseguição dos Franciscanos da Imaculada pode chegar na Páscoa



O FIM DA PERSEGUIÇÃO DOS FRADES FRANCISCANOS DA IMACULADA PODE CHEGAR NA PÁSCOA


Imagem da ordem após Missa solene na Basílica de Latrão, Roma, em 2009
Após quatro anos de investigação e de muita perseguição o caso dos Franciscanos da Imaculada pode ter um fim na próxima data de Páscoa, segundo informações fornecidas pelo site LifeSiteNews.




Os Frades Franciscanos da Imaculada são um instituto de Direito Pontifício fundado pelos padres Stefano Manelli e Gabriel Pelletieri, cujo carisma franciscano é expresso pelo amor aos pobres e pela liturgia bem celebrada, em estreita fidelidade ao Santo Padre. É um instituto de vida religiosa e consagrada no qual se celebra as duas formas do Rito Romano, isto é, a ordinária e a extraordinária, segundo a disposição do Motu Proprio Summorum Pontificum. Foi um dos mais florescentes exemplos de espiritualidade franciscana, com inúmeras vocações e uma pobreza exemplar no espírito de São Francisco.



Por causa da fidelidade à Doutrina Católica e ao uso da forma extraordinária não tardou muito a surgir perseguição, porque hoje em dia o mal é recompensado e o bem castigado. Em julho de 2013, a Congregação para os Institutos de Vida Consagrada, cujo prefeito é o Cardeal João Braz de Aviz, emitiu um decreto, com aprovação do recém eleito Papa Francisco, destituindo os superiores do Instituto e confiando o governo a um comissário apostólico, o padre Fidenzio Volpi, o que rapidamente transformou-se em um completo desmantelamento da ordem.

Esse inquérito surgiu após uma reclamação à Congregação citada por parte de um grupo de frades franciscanos dissidentes, alinhados a uma ala progressista. O Vaticano nunca apresentou claramente o teor das reclamações, mas era evidente (já na época) que se tratava de uma conspiração dos dissidentes liberais, com apoio de membros da Congregação, com objetivo de acabar com qualquer coisa relacionada à forma extraordinária do Rito Romano. O seminário foi fechado e os irmãos dispersos.
O comissário Padre Fidenzio Volpi morreu no ano de 2015 e foi substituído por Sabino Ardito. As acusações contra o fundador, o Padre Stefano Manelli, foram resolvidas por um tribunal civil italiano e o Padre Manelli foi provado inocente. No entanto, a ordem sofreu muito.

Novas constituições serão elaboradas para a ordem pelos comissários do Vaticano e, segundo Marco Tossatti, podem ficar prontas antes mesmo da Páscoa ou no máximo até setembro. Nessas novas constituições pode ser que haja a supressão do voto de consagração total à Imaculada Virgem Maria ou então que deixe de ser obrigatório. Em todo caso isso significaria uma refutação do princípio característico da identidade da ordem, que foi inspirado por São Maximiliano Maria Kolbe.

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[Post-scriptum]: Dia 3/02/2017 - Segundo informações de Marco Tosatti, em artigo traduzido pelo site Fratres In Unum, mais um decreto foi emitido pela Congregação para os Institutos de Vida Consagrada, com aprovação do Papa. Nesse novo decreto há a ordem para que o Padre Stefano Manelli não dê entrevista, não apareça em público, não entre em contato com os membros da ordem e, além disso, coloque à disposição do Vaticano todos os bens da ordem (que, segundo informações não oficiais, seria em torno de 30 milhões de euros). Ao que parece, a ordem será restaurada, porém, não será restituído o cargo ao Padre Manelli, que permanecerá fora da direção da ordem que ele fundou, com aprovação do Papa João Paulo II.

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